Uma comunidade rural do Brasil antigo. Aspectos da vida patriarcal no sertão da Bahia nos séculos XVIII e XIX

A fazenda de Miguel Lourenço não ficava, propriamente, à beira desses antigos caminhos, mas deles pouco distava. Muitos sítios e currais ou fazendas de criação das partes circunvizinhas, nomeados nos velhos roteiros, tais como Candeal, Maracás, Gameleira (dos Machados), são também citados num livro manuscrito, comercial, do genro de Miguel Lourenço, como locais de residência de fregueses e devedores.

A fazenda do Campo Seco, com terras de composição sílico-argilosa e sílico-calcária, localizava-se em zona da caatinga, apresentando campos e cerrados como manchas intercaladas por entre a característica vegetação caatingueira, composta de plantas arborescentes, de mediana estatura, e árvores mais altas, que quebravam a uniformidade do aspecto geral. Durante a estação seca, outrora como até hoje, mostra-se a vegetação despida de qualquer folhagem, ao passo que é verde e florida durante a estação chuvosa. Nos campos predominavam arbustos e vegetais rasteiros, enquanto que nos cerrados havia muita árvore de boa madeira. Os cerrados da fazenda, de solo fértil e úmido, constituíam as matas do Campo Seco, onde os proprietários lenharam continuamente, derrubando e depois queimando, até a completa transformação em campos de terra seca. A extinção das matas acarretou gradual desaparecimento de banhados, atoleiros e brejais, sendo que hoje não passa de reminiscência o brejo que deu o nome à propriedade e ao Sobrado.

O clima apresentava-se como o mesmo que até agora predomina no Nordeste, havendo praticamente duas estações, a chuvosa, indo de outubro a março, e a seca, de março a outubro.

Não havia cercas nem marcos delimitando a fazenda, e muito menos pastagens fechadas, de modo que o gado se criava à solta, nos campos indivisos, de mistura com os animais das propriedades vizinhas. E ainda ao tempo do genro de Miguel Lourenço, em princípios do século XIX, tribos indígenas habitavam aquelas plagas, sua presença atemorizando os moradores, pois que muitos silvícolas eram mesmo o "gentio bravo" da expressão do cronista Vilhena, em suas "Cartas Soteropolitanas". Foi para a segurança de seus residentes e possibilidade de defesa, em caso de assalto, que o construtor do Sobrado do Brejo distribuiu seteiras pelas paredes, para a introdução de clavinotes e outras armas de fogo existentes na época. Segundo o apurado, jamais se verificou, entretanto, qualquer ataque ao casarão, por parte dos indígenas daqueles sertões.

Era na caatinga, com digressões pelos densos cerrados, pelas densas matas, que vagueava a onça pintada (Felis onca), variedade "Canguçu", de cuja designação se apropriou o neto de Miguel Lourenço, para acrescentá-la ao nome.

Em oito de julho de 1755, o Familiar do Santo Ofício anotou no seu Livro manuscrito - o mesmo que utilizara, quando serventuário

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