Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio

de Luís Napoleão. Quem ousou - caso singular proclamar-se imperador foi o conhecido Rangel (O diplomático, II, 529): "Chegou ao extremo de aclamar-se imperador, um dia, 2 de dezembro, ao voltar da parada, no Largo do Paço; imaginou para isso uma revolução, em que derramou algum sangue, pouco, e uma ditadura benéfica, em que apenas vingou alguns pequenos desgostos de escrevente" (II, 520).

A subida da montanha, posto que possível, nem sempre é convencionalmente legítima. O sentimento de escárnio, a repulsa velada acompanham, não raras vezes, muitas carreiras triunfantes. Enquanto a mobilidade no campo das classes sofre moderada censura, a resistência para o ingresso no estamento, nos círculos do poder, é maior. Os golpes de audácia, os saltos não se permitem na conquista dos altos postos. Mesmo a Alencar, glorioso nas letras, não se reconheceu o direito de conquistar o Capitólio de assalto: "Primeiro em Atenas, era-lhe difícil ser segundo ou terceiro em Roma. Quando um ilustre homem de Estado respondendo a Alencar, já então apeado do governo, comparou a carreira política à do soldado, que tem de passar pelos serviços ínfimos e ganhar os postos gradualmente, dando-se a si mesmo como exemplo dessa lei, usou de uma imagem feliz e verdadeira, mas ininteligível para o autor das Minas de prata" (II, 603).

Sociedade não rígida, mas respeitosa da hierarquia. Há a "boa sociedade" e a sociedade comum. Entre uma e outra, o abismo do prestígio, do estilo de vida, do acesso ao mando. A primeira, quem a preside é o imperador em pessoa, presente nos seus grandes momentos, presença muitas vezes banhada de sombras. Ela se corporifica e se representa, visivelmente, em dois momentos: no baile da ilha Fiscal (Esaú e Jacó) e nas bodas imaginárias de Rubião (Quincas Borba). No baile da ilha Fiscal estariam todos, titulares e grandes do Império, entre outros: o Conselheiro Aires, ex-diplomata; Batista, ex-presidente da província; Santos, banqueiro e barão. "Foi uma bela ideia do governo, leitor. Dentro e fora, do mar e da terra, era como um sonho veneziano; toda aquela sociedade viveu algumas horas suntuosas, novas para uns, saudosas para outros, e de futuro para todos"... (I, 936). Todas as aspirações, fantasias e sonhos de uma sociedade dourada têm um encontro marcado. Em cores berrantes, é a repetição da taberna de D. Quixote, com a mágica reunião de muitos destinos e de muitas esperanças. Para cada uma das pessoas, o acontecimento tem um significado

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