Biografia
Joaquim de Sampaio Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 1882. Filho de João Baptista de Sampaio Ferraz, bacharel em Direito, foi promotor público, duas vezes chefe de polícia do Governo Republicano e deputado em duas legislaturas. Sua mãe, Elisa Vidal Leite Ribeiro, era filha de Joaquim Vidal Leite Ribeiro, Barão de Itamarandiba, homem de posição de destaque na sociedade imperial. Foi casado com Maria Luiza Guimarães por mais de 60 anos, com quem teve sete filhos, deixando uma descendência de 80 pessoas até o final de 2009.
A formação de nível médio de Joaquim de Sampaio Ferraz foi feita no colégio Universitário Fluminense no Rio de Janeiro e no Ginásio Mineiro em Barbacena, Minas Gerais. Foi concluída na Inglaterra, no Saint Edmund’s College, em Hertfordshire (1895).
Formou-se em engenharia civil pelo Merchant Venturer’s Technical College, de Bristol, na Inglaterra (1896-1900), e fez estudos práticos de eletricidade industrial na Western Electric Company, em Chicago (1901-1903). De volta ao Brasil, trabalhou como engenheiro auxiliar nas obras do porto da cidade do Rio de Janeiro (1904-1907) e nas obras do porto de Belém do Pará (1907-1908).
Em 1909, o governo Nilo Peçanha fundou o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e transferiu o Observatório Nacional, anteriormente afeto ao Ministério da Guerra, para a nova pasta, instituindo a Diretoria de Meteorologia e Astronomia (DMA), que representava a unificação da atividade climatológica e a expansão da rede de postos meteorológicos, um verdadeiro marco de desenvolvimento para o Brasil. Era todo um campo de conhecimento a ser desenvolvido e para o qual não havia número suficiente de pessoas habilitadas, nem equipamentos adequados para o desenvolvimento dos trabalhos.
Sampaio Ferraz entrou para a Diretoria de Meteorologia e Astronomia imediatamente após a sua criação. Sobre o novo órgão, considerou ele: “Do ponto de vista mais severo, mundial, foi um erro essa xipofagia de tempo e estrelas, pois nessa época a Meteorologia havia já ganho sua autonomia nos países mais adiantados. Através do ângulo brasileiro, dotado o país de uma Meteorologia ainda adstrita exclusivamente às lides climatológicas, e estas, todas dispersas, ou sob organizações insipientes estaduais, foi um grande bem”.
Neste momento inicial de organização da Diretoria, era fundamental buscar experiências novas, bibliografia e contatos para o novo serviço. Com este objetivo viajou para a Europa (1913-1914), onde realizou estágios nos grandes centros meteorológicos (França, Bélgica e Inglaterra) para conhecer o que havia de mais moderno e avançado na época. Também acompanhou neste período o trabalho de impressão de suas Instruções Meteorológicas, dois volumes com texto e tabelas – que foram adotadas pela Diretoria de Meteorologia e Astronomia para orientar os observadores no trabalho diário com o uso rigoroso de normas internacionalmente consagradas.
Além de suas aptidões técnicas e profissionais, Sampaio Ferraz era escritor disciplinado e constante na produção de textos, conferências e artigos de jornal que muito ajudaram na divulgação e alcance do trabalho da meteorologia no Brasil.
Foi o iniciador das primeiras cartas sinópticas do tempo e previsões meteorológicas no Brasil (1915), que abrangiam grande parte do Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai e Argentina, e ajudaram a abrir o caminho para a implantação do Serviço de Previsão do Tempo no Brasil.
Para melhor funcionamento do serviço, viajou para os Estados Unidos em 1920, onde comprou equipamentos e aprendeu a manejá-los..
Dirigiu, de 1921 a 1930, o Instituto de Meteorologia, que em 1921 se separou do Observatório Nacional. A repartição, sob a orientação de Sampaio Ferraz, começou a desenvolver novas atribuições, incluindo diversos ramos da ciência atmosférica até então inexplorados entre nós.
Em 1923, participou da 11ª Conferência de Meteorologia em Utrecht, na Holanda, na área de Meteorologia Telegráfica.
Sampaio Ferraz fez tabelas climatológicas que serão fonte de pesquisa, não só no Brasil como no exterior, como mostra a referência feita ao seu trabalho num relatório da Expedição Científica Roosevelt-Rondon, de autoria de Mrs. Naumburg, especialista do Museu de História Natural de New York, publicado em 1930:
Eu vi o Boletim de normas compilados por Sampaio Ferraz, 1922, e essas tabelas Cuiabá, Corumbá e São Luiz de Cárceres foram tiradas desta importante publicação. O relatório de Dr. Ferraz contém tabelas climatológicas para todas as estações do Brasil ao redor do Rio de Janeiro. Elas incluem informação sobre temperatura, índice pluviométrico, pressão atmosférica, vento etc. e nunca num período inferior a um ano.
Desde a década de vinte, começara a preparar a obra Meteorologia Brasileira, que só seria editada pela Companhia Editora Nacional, dentro da coleção Brasiliana, em 1934.
Foi durante a sua administração que se organizou um serviço de aerologia, além de trabalhos para a elaboração das primeiras normas de dados meteorológicos publicadas em 1922.
O seu interesse pela previsão do tempo para a navegação aérea foi sempre muito grande e, graças ao seu empenho, foi possível a viagem internacional Lisboa-Rio de Janeiro (raid aéreo) do almirante português Gago Coutinho, do aviador Sacadura Cabral e do espanhol Ramon Franco, realizada em 1922, razão por que foi distinguido com a comenda espanhola de Isabel, a Católica (1927).
Aposentou-se do serviço público em 1931, muito decepcionado com a falta de apoio para o desenvolvimento do serviço e a falta de perspectivas e oportunidades.
Após anos difíceis, tendo que recorrer ao apoio de familiares, muda-se para uma casa alugada, à Rua Alberto de Campos 106, Ipanema. Constrói um escritório em cima do que seria a garage e instala aí sua biblioteca e equipamentos necessários ao seu trabalho.
Foi consultor meteorológico da The São Paulo Tramway, Light and Power Ltd., desde 1936, e Consultor Técnico de Climatologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, desde 1938.
Durante quase trinta anos (1936-1962) fez as previsões do tempo para as barragens do grupo Light, deslocando-se todos os meses para São Paulo, onde estava sediada a companhia. No final da vida, passou a trabalhar apenas no seu escritório no Rio de Janeiro, quase até o seu falecimento, em novembro de 1966, aos 84 anos de idade.
Mantinha rotina severa de trabalho, correspondia-se com autoridades nacionais e internacionais, publicava artigos, recebia autoridades, mas sempre de forma bastante reservada. Durante toda a vida construiu uma hemeroteca de jornais nacionais, arquivados por assunto, alimentando-a cada manhã.
Foi membro do Comitê Meteorológico Internacional de 1923 a 1931 e, em 1933, Vice-Presidente Honorário da I Conferência Sul-Americana de Meteorologia e Serviços.Radioelétricos.
Sentiu-se muito honrado ao ser escolhido membro honorário da Royal Meteorological Society, da Inglaterra, uma sociedade que possuía, então, apenas 13 representantes em todo mundo.
Foi reconhecido e distinguido como membro da American Meteorological Society e da Sociedade Meteorológica da França.
Foi presidente honorário da Terceira Comissão Regional (América do Sul) da Organização Meteorológica Internacional, tendo feito parte das seguintes Comissões Internacionais: Aerológica; Climatológica; Meteorologia Agrícola; Meteorologia Marítima; Reseau Mundial e Meteorologia Polar; e Meteorologia Sinótica, esta última extinta em 1946.
Deixou farta documentação de sua vida pública, base para a construção da memória do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Segundo Fabíola de Oliveira, no livro comemorativo dos 100 anos da Meteorologia no Brasil, “as primeiras cinco décadas da história do INMET foi possível levantar sobretudo graças ao trabalho dedicado do engenheiro, meteorologista e escritor Joaquim de Sampaio Ferraz, que além de escrever livros sobre a história da meteorologia no Brasil e no mundo, teve o cuidado de reunir documentos e recortes de jornal ao longo dos anos em que trabalhou no serviço meteorológico”.
A sua vida privada ficou documentada através de farta correspondência e de 32 volumes de seus diários, escritos dos 18 aos 84 anos. O diário, fruto de uma disciplina férrea, de determinação, de anseio de perpetuar-se, foi objeto de dissertação de mestrado de Solange de Sampaio Godoy em História Social da Cultura (PUC–Rio, 2005), publicado em 2009 sob o título O Avô do Tempo: diário de um Meteorologista.
Foi distinguido pela meteorologia brasileira, que deu seu nome ao Prêmio Nacional de Meteorologia, outorgado pela primeira vez em 1982, assim como ao auditório do INMET, por ocasião do centenário do Instituto Nacional de Meteorologia em novembro de 2009..
Suas principais publicações:
Instruções Meteorológicas: trabalho destinado aos estacionários da rede meteorológica do Brasil (Paris: L’Edition D’Art Gaudio, 1914. 2 vols.);
O Segundo Ano Polar Internacional: Projeto de cooperação do Brasil. (Ministério da Agricultura, 1931);Meteorologia Brasileira (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. Série Brasiliana. 1ª ed. 1934);
As ondas de frio no Brasil (Rio de Janeiro: 1919);
Causas prováveis das secas do Nordeste Brasileiro (Rio de Janeiro: 1925);
A previsão de tempo baseada em observações locais (Rio de Janeiro: 1928);
Subsídios para o estudo de um ciclo climatológico do sudeste brasileiro. Revista Brasileira de Geografia, ano I, n.º 3 (1939);
Suggestions for the Explanation of Probable Connections between Solar activity and rainfall variation in Southeastern Brazil. Proceedings of the Eighth American Scientific Congress (1942).
Ligeiro esboço de alguns aspectos fundamentais da climatologia do Estado de São Paulo. Anais do IX Congresso Brasileiro de Geografia (Florianópolis: 1942);
Iminência de uma grande seca nordestina. Revista Brasileira de Geografia. Ano XII n.º 1 (1950);
Irrupções de águas frias no Atlântico Sul, ao longo da costa meridional brasileira, até Cabo Frio. Revista Geográfica do Instituto Pan-Americano de Geografia e História, n.º 25, Tomo IX (1951);
O homem e a chuva. Boletim Geográfico do Conselho Nacional de Geografia, n.º 103, 104 e 105 (Rio de Janeiro: outubro a dezembro de 1951);
A voz do planalto paulista: Ensaio bioclimatológico, contribuição do IBGE para a comemoração do IV Centenário da Cidade de São Paulo (1954).
Artigos e conferências
Previsão do tempo, artigo no Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1913;
O contingente meteorológico para a solução do problema das secas, conferência, 1919;
A aviação e a meteorologia no Brasil, conferência, 1919;
A Meteorologia, serva da Agricultura e da Navegação, conferência, 1920;
A grande rota aérea Rio-Buenos Aires,. conferência, 1927;
O Weather Bureau Americano e o desenvolvimento do serviço meteorológico brasileiro,.conferência, 1920.
Autora da biografia: Solange de Sampaio Godoy
Professora de Museologia da Uni-Rio; Mestre em História Social da Cultura pela PUC-Rio, 2005;
Diretora do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, 1985-1989; Publicou, entre outras obras: Avô do tempo; diário de um meteorologista. Rio de Janeiro, EMC, 2009.