Figuras do Império e outros ensaios

torrencial. Defronte do Jardim Botânico o automóvel tinha água pelos eixos. Era a reprodução das "águas do monte", célebres nos tempos coloniais e que, às vezes, exigiam canoas em certas ruas. Havia três ou quatro dias que não fazia sol. Mistress Kipling não se conformava. Dizia com a sua doçura: "It is the sunny Rio!" Repetia sem saber a notação de Nicolau Taunay ante os aguaceiros da Tijuca: "Dire que nous sommes au pays du soleil!"

Subi com ele, à noite, ao alto do Corcovado. As praças e jardins, escurecidas de espaço a espaço pelos maciços de arvoredo, as ruas correndo para as colinas ou para as praias, as praias cobrindo o colo da cidade com colares de fogo, o mar batido pela claridade do luar e das estrelas, tudo isso é indescritível, tudo isso formava um desses espetáculos diante dos quais, como diz Emerson, é preferível emudecer para escutar o "murmúrio dos deuses". Salvo uma ou outra exclamação, a linguagem do grande viajante era quase sempre o silêncio. Mas um silêncio fácil de traduzir na fisionomia demudada e comovida pela admiração.

Não sei o que Rudyard Kipling escreverá sobre o Rio, com cujas belezas já sonhava antes de as conhecer, acariciando longos anos a esperança de vê-las de perto: "Roll really to Rio!"

Apenas desembarcado, não quis que fossemos diretamente ao Hotel Glória, onde reservara

Figuras do Império e outros ensaios - Página 340 - Thumb Visualização
Formato
Texto