Ciclo do carro de bois no Brasil

São numerosos, neste particular, os depoimentos. Nas Memórias de um Senhor de Engenho, de JÚLIO BELO, número 11 da "Coleção Documentos Brasileiros", livro que constitui uma valiosa contribuição para o estudo da história social de Pernambuco, no dizer do aplaudido GILBERTO FREYRE, encontra-se, à pág. 100, interessante narrativa do fim do século XIX, em terras do nordeste. Recordando JÚLIO BELO a figura extravagante do coronel João Batista Accioly, senhor de engenho e proprietário no norte de Alagoas, "homem alto, barbudo, bem apessoado, ativíssimo, enérgico, que construiu com o seu trabalho honrado a maior parte da fortuna que legou aos seus filhos", escreve: "De uma vez ele conduzia-se com a família à festa de Nossa Senhora da Guia da Barra Grande, num carro de bois com tolda de esteiras de periperi, as senhoras debaixo da tolda e ele, fardado, cheio de galões, larga banda militar de grandes borlas, chapéu de dois bicos e espadagão dependurado à mesa do carro, quando numa descida de ladeira junto da igreja, onde se aglomerava uma grande multidão, o carreiro errou a manobra. O coronel, mesmo fardado, com todas as insígnias, saltou da mesa, tomou a aguilhada, entrou o boi de coice, chamou o cambão da banda e vitoriosamente a consertou. Fez depois a volta no pequeno pátio, apresentou com denodo a vara de ferrão à junta do cabeçalho que vastou o carro com tamanho impulso que derrubou quatro ou cinco tabuleiros de doces, diversas barracas de pindoba de vender capilé e bugiarias na festa e quase botou abaixo a porta da sacristia da igreja de Nossa Senhora." MÁRIO SETTE, descrevendo à pág. 61 do O Vigia da Casa Grande, um casamento de trabalhadores de engenho, escreve: "Bem cedo os três carros do engenho, toucados de bambus, de pitangueiras, com toldos de cobertas vermelhas presas aos tesos dos fueiros, partiram demanda da povoação, levando os noivos e os convivas à presença do juiz e do pároco." E, mais recentemente, JOSÉ LINS DO RÊGO, no seu Menino de Engenho, à pág. 106, recorda: "De manhã, bem cedo, já estávamos prontos com o carro de bois na porta. Cobriam o carro com uma esteira de periperi e forravam as tábuas de sua mesa com um colchão. Era a nossa carruagem ronceira, mas segura. O carreiro Miguel Targino, grande e agigantado como um São Cristóvão, capaz de tirar sozinho o seu carro de um valado, já estava de vara e macaca, esperando o povo para a viagem."

Escrevendo-nos a respeito da importância social do carro de bois no nordeste, especialmente no Rio Grande do Norte, diz Manuel Rodrigues de Melo: "Pois não serviu até de carruagem no século passado, para a nobreza rural? Não ia às festas do Natal e Ano-Bom, enfeitado e bonito, carregando as famílias sertanejas, até começos deste século? Não conduzia as bandas de música das cidades para os povoados do interior e vice-versa? Era no carro de bois que andava a nobreza rural e a burguesia das cidades. Era nele que andavam as sinhazinhas de antanho para encanto dos rapazes enxeridos; as matronas pesadas e gordas, faiscando ouro por todo o canto,

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