CAPÍTULO I
O MONOPÓLIO DO PAU-DE-TINTA
Amanhecera o dia 25 de setembro do ano da Graça de 1498 e o que ia acontecer teria repercussão mais tarde nos destinos do Brasil, que ainda não fora descoberto. A armada portuguesa de Vasco da Gama ancorara diante da costa baixa e emoldurada de palmeiras da ilha de Anchediva, a doze léguas de Goa. Das longas vergas e das inclinadas antenas das naus se desdobravam, secando lentamente ao sol matutino, as lonas das velas em que a salsugem dos mares nunca dantes navegados esmaecera a cor vermelha das cruzes da Ordem de Cristo.
Sobre o castelo de popa, lavrado de douraduras e eriçado de falconetes(1) Nota do Autor de bronze, fundidos nos arsenais de Genosa, o almirante conversava com os capitães, olhando a faina de limpeza a que se procedia em alguns navios. No seu, a capitânea "S. Gabriel", contra-mestre e maruja preparavam as espias que deviam puxá-lo até a praia lisa, onde morriam, sorrindo em espumas, as ondas do oceano Índico, a fim de ser raspada a carena crostada de mariscos e algas na longa travessia dos mares tenebrosos.
O vigia do "S. Gabriel", assinalou um barco ao longe, que se aproximou, arfando sobre a toalha azul das águas, debaixo da concha muito azul do céu. Era um paraú que vinha de Goa, tangindo pela sua vela pardusca de esteira. Encostou à nau. Um homem galgou o portaló e saltou no convés. Vestia à maneira hindu: mundaçó à cabeça, terçado à cinta, brincos nas orelhas. O nariz adunco se encurvava para os beiços úmidos e sensuais.