Queria falar ao almirante a quem abraçou, como se usa no Oriente, com expansões. Curvando-se em salamaleques, disse em péssimo italiano que era cristão levantisco, viera muito criança para as terras do mouro Sabaio, senhor da ilha e da cidade de Goa. Enquanto falava, seus olhos miúdos e vivos, como os dum camundongo, espreitavam todo o navio, detendo-se sobretudo na artilharia, como a computar-lhe o número de peças e a força de cada uma.
Vasco da Gama sorria na sua barba açoitada pelo vento. De repente:
— Mestre!
Um português moreno e seminu, de farta bigodeira, de braços peludos e atléticos, levantou a cabeça dentre os marujos que desenrolavam os cabos de cânhamo. E o almirante deu-lhe esta ordem:
— Amarre este espião ao mastro e meta-lhe o calabrote.
Num abrir e fechar de olhos, o levantino estava nu da cintura para cima, amarrado ao mastro grande, e um chicote de cabo alcatroado cantava-lhe nas carnes que se tingiam de sangue.
— Eu digo toda a verdade! uivou o supliciado na sua algaravia.
Os açoites pararam, o almirante aproximou-se e o homem disse a verdade: não era cristão, nem levantisco; era judeu e natural da Polônia. Os azares de sua vida aventureira e errante haviam-no trazido à Índia. O Sabaio mandara-o como espião, mas preferia servir aos portugueses. A armada do Sabaio era grande e poderosa, bem tripulada de rumes(2) Nota do Autor e bem provida de canhões venezianos.
No dia 26 de setembro, a frota dos Lusíadas fazia-se de vela para Portugal e levava a bordo o astuto e inescrupuloso judeu polaco, "por ser de grande