e sem fel", pôde dizer dele o grande tribuno, sem nenhum exagero, sem louvor excessivo.
Realmente, com um equilíbrio raro, Machado de Assis soube se repartir entre o ideal e a rotina. E nesse equilíbrio estava a marca de uma grande alma, a força de uma vocação de pensador e de homem honesto.
"Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante ideia.
E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia,
E achas na independência o teu salário.
Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas
Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno."
Dissera ele evocando Spinoza.
Nas mãos abençoadas que tantas obras perfeitas escreveram, na nobre mão direita de Machado de Assis, a pena do burocrata não foi menos tocante instrumento de trabalho, nem menor penhor de independência e dignidade do que a ferramenta de operário nas de Spinoza.