A gloriosa sotaina do Primeiro Império - Biografia de Frei Caneca

Para notar é a profunda identidade de caracteres de Dom Pedro e Frei Caneca, ainda que orientados sempre em rumos opostos: ambos teimosos, opiniáticos, amando as altitudes espetaculares, confiando na força, altivos, intransigentes, desprovidos do senso da medida e da prudência, confundindo o espírito de conciliação com a covardia, e por isto mesmo perdendo ótimas oportunidades de salvar-se e de salvar em parte as causas de que são os paladinos. Um e outro desconhecem o meio termo. Um e outro contando em demasia consigo mesmo. Ambos desconfiados e voluntariosos. Malgrado essas afinidades a marcha de cada qual se faz, por força das origens, da educação, do ambiente, em sentidos opostos. Um é o autocrata de nascença, o outro o plebeu que traz no sangue todas as reivindicações das multidões anônimas, e que por isto odeia a aristocracia, e a vencer transigindo com o despotismo prefere morrer abraçado ao estandarte das liberdades que conduz desfraldado ao fogo de duas sangrentas revoluções.

Ambos, finalmente, com os olhos fixos no futuro. Para eles Danton não passa de um cínico ao exclamar que a "posteridade é uma meretriz e a opinião pública uma tolice". Dom Pedro consola-se, com o olhar nessa posteridade, ao perder um trono, de haver salvo a sua honra. O outro, de haver mostrado na hora do suplício que não se lhe muda a cor do rosto, ao contrário do que fizera Desmoulins, lastimando-se de haver nascido para escritor e não para revolucionário. Mas o destino, os faz adversários irreconciliáveis e os conduz por caminhos que só voltam a juntar-se no seio da imortalidade.

A gloriosa sotaina do Primeiro Império - Biografia de Frei Caneca - Página 34 - Thumb Visualização
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