A gloriosa sotaina do Primeiro Império - Biografia de Frei Caneca

de cortador de papel, desceu sozinho, plantou-se no umbral e esperou a multidão... que passou muda".

Assim se faz e desfaz a opinião pública na América Latina. Não resta dúvida que em toda parte os gestos teatrais influem nas multidões. Sem essa teatralidade das atitudes Hitler, Mussolini, Lenine, não teriam logrado transformar em cordeiros os povos de cima de cujas baionetas desafiaram ou desafiam o mundo. Na América Latina, porém, o entusiasmo pelas atitudes individuais dos que comandam constitui, não a exceção, mas a regra no seio das massas populares. Hoje muito mais atenuado do que outrora. Ainda assim vivo e estuante nas horas convulsivas. Isto explica de certo modo a popularidade alcançada por Dom Pedro em certos momentos da nossa história, e explica, também as ansiedades, as vigílias, as campanhas de Frei Joaquim do Amor Divino, e Caneca, mercê das quais lhe atribuem os áulicos não só o que de verdade lhe cabe na partilha das responsabilidades, como aquilo que devia ser atribuído a outros fatores, sociológicos e políticos, mesológicos e hereditários, cuja influência é tanto mais ativa quanto mais jovens, e menos experientes são os povos.

Não é a paixão desvairada, nem o interesse ferido, nem as ambições contrariadas, o que arrebata o arrojado panfletário e jornalista de 1824 aos extremos onde o colhe a desgraça. Ele tem a visão exata dos perigos que ameaçam o Brasil e para os conjurar sacrifica-se abnegadamente. Sua teimosia, seus libelos contra o Imperador e seus ministros, as cargas que desfecha contra os que constituem o partido reacionário do Rio e das províncias, encontram a melhor das justificativas nos acontecimentos que enchem o primeiro reinado e vão de 1825 a 1831.

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