a sua língua, a sua religião, os seus estilos de vida. O quilombo, por sua vez, era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos. O tipo de organização social criado pelos quilombolas estava tão próximo do tipo de organização então dominante nos Estados africanos que, ainda que não houvesse outras razões, se pode dizer, com certa dose de segurança, que os negros por ele responsáveis eram em grande parte recém-vindos da África, e não negros crioulos, nascidos e criados no Brasil. Os quilombos, deste modo, foram - para usar a expressão agora corrente em etnologia - um fenômeno contra-aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial e de restauração dos valores antigos.
Tentaremos aqui analisar, em grandes linhas, as peculiaridades dos quilombos em relação à sociedade oficial, tomando como base aqueles em torno dos quais a documentação é mais farta e completa - o dos Palmares, localizado entre Alagoas e Pernambuco, que se manteve durante quase todo o século XVII, e o da Carlota, primitivamente chamado do Piolho, em Mato Grosso, atacado duas vezes, em 1770 e em 1795. Afora estes, utilizaremos também, na medida do possível, dados e circunstâncias de outros quilombos, como os do Rio Vermelho, do Itapicuru, do Mocambo, do Orobó e do Urubu, na Bahia (1632, 1636, 1646, 1796 e 1826); do rio das Mortes, em Minas Gerais (1751); de Malunguinho, nas vizinhanças do Recife (1836); de Manuel Congo, em Pati do Alferes, Estado do Rio, e do Cumbe, no Maranhão (1839).
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Duas coisas se notam, à primeira vista, no estudo dos quilombos - todos esses ajuntamentos de escravos tiveram, como causa imediata, uma situação de angústia econômica