Debaixo da capa daquela criatura metódica, cordata e amável, existia o espírito endiabrado, que se mostra por inteiro através dos pensamentos e dos personagens. O homem verdadeiro está dentro das figuras que criou com o sangue do seu sangue, com a alma de sua alma. A concepção da vida, a compostura de todos em face do destino estão resumidas, em condensação movimentada, na página que, segundo julgamos, lhe sintetiza a obra. É "O delirio". O homem é um verme no remoinho das coisas. Um verme que sonha. Um verme que se agarra à misericórdia da vida, em meio ao vendaval. Em frente da natureza, é simples partícula, que tem a ilusão de viver à parte, mas não vive. Ela, que o criou, o assimila, escancarando-lhe as fauces. O verme é a lascívia, sepultar-se-á na voluptuosidade do nada. Se o homem tem o poder de abarcar a vida passada dos semelhantes na terra, é para compreender que é idêntica à sua. A esperança, a crença, a ambição, as lutas, tudo é nuvem de poeira, que o vento dispersa. Flagelado e rebelde, corre o homem diante da fatalidade das coisas, "atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação". Esta figura é a quimera da felicidade. Quando o homem a cinge ao peito, ela ri como um escárnio, e some-se como uma ilusão. Então, o homem, tomando a atitude do humorismo, acha o espetáculo divertido. "Vamos lá, Pandora, abre o ventre e digere-me; a cousa é divertida, mas digere-me". É no torvelinho desta luta contra a natureza que a criatura humana procura realizar as suas ambições, o que vale dizer a sua vida. Mas todos acabam pontuais na sepultura, e todos os sonhos se resolvem em nada.
Nesse delírio do Braz Cubas, vemos a síntese das suas criações e a sua teoria da vida. Dentro de tal agitação