é que lhe dava ascendente entre os amigos, muitos dos quais o sobrepujavam pela posição e pelas facilidades de nascimento e facilidades pessoais. Sentia as inferioridades provindas de suas condições irremovíveis, mas venceu-as pelo talento, pela finura, pela autoeducação, pela vontade miúda e constante de firmar-se. O que é para louvar, na realização desse ideal, é que jamais recorria a processos de habilidade, a atitudes menos decentes ou nobres. É assim que timbrava em mostrar sinceridade mental de tal ordem, que não cedia nem mesmo aos amigos mais íntimos. Deste modo é que obteve importância para a sua opinião de crítico.
A unidade de sua preocupação era tão pertinaz, que bem se pode percebê-la hoje como expressão de valor à parte, em meio dos homens que compuseram a sua geração. Em regra, a gente é levada a pensar que a existência humana tem tanto mais significação, quanto mais dramática. Puro engano. O homem que se dá em espetáculo muitas vezes nada traz dentro de si, senão um temperamento tempestuoso. A luta interna e aparentemente calma com que os homens buscam a santidade, a sabedoria e perfeição na arte é muito mais heroica, muito mais silenciosamente dramática. Não se pode concordar com os que supõem sem drama, sem relevo, sem lutas, enfim, a vida de Machado de Assis. Bem ao contrário. Nenhum homem de sua geração, nenhum de seus companheiros teve vida mais aflita, mais cheia de lutas consigo mesmo, mais cheia de dificuldades invisíveis do que a dele. Esta é que é a verdade. Vencer como ele venceu representa uma soma de energia, que só se vê nas criaturas excepcionais. Machado de Assis deve ser considerado, com justiça, homem que se fez à custa própria, contra muitos prejuízos sociais. E essa vitória não podia ser subitânea, senão como foi, paulatina, consciente, demorada.