Os outros povos, os que praticam o culto consciente e sistemático da própria ilusão, estão condenados a perecer. E louva os vencedores que serão os povos práticos e experimentalistas, com senso objetivo.
Então vem a censura mortal com que inicia sua obra, marca-a indelevelmente e resume a tese de todos os nossos maiores reacionários: o povo brasileiro não presta, é um desastrado e quem o salva, a duras penas, é a minoria dirigente. Melhor fora que tivéssemos outro povo, outra gente, branca, ariana, educada, alfabetizada, senão culta. Por isso ele escreve este trecho fantástico: "Há um século estamos sendo como os fumadores de ópio, no meio das raças ativas, audazes e progressivas. Há um século estamos vivendo de sonhos e ficções, no meio de povos práticos e objetivos. Há um século estamos cultivando a política do devaneio e da ilusão decente de homens de ação e de prêa (*)Nota do Revisor, que, por toda parte, em todas as regiões do globo vão plantando, pela paz ou pela força, os padrões de sua soberania".
Tudo isso, em síntese, deveria ser um alerta dirigido não a nós todos como povo e como nação, mas à classe dirigente, que usou e abusou deste país, como quis e fingiu crer nesses sonhos e ficções, apenas para iludir o povo, que foi o único sério e objetivo construtor real do Brasil. Escreve, a seguir, que para fugir à fatalidade desse destino só existe um caminho: o de mudar de métodos, de educação, de política, de legislação e de governo. Esquece-se do principal: mudar a classe dirigente, que em sucessivas gerações, como tenho procurado mostrar em vários livros, é a grande responsável pelas perdas de arrancos progressistas e de avanços econômicos, sociais e políticos.
A questão não consiste em jogar com fatos e não com hipóteses, com realidades e não com ficções - o povo procede assim, e cabe à minoria, e não ao povo, "por um esforço de vontade heroica, renovar nossas ideias, refazer nossa cultura, reeducar nosso caráter". E tudo isso com a força de vontade que é o método do sociólogo Oliveira Viana. E tudo isso, além da força de vontade, depende de sujeitarmos o nosso povo a uma análise fria e severa na sua composição, na sua estrutura, nas tendências particulares da sua mentalidade e do seu caráter. Ora, para nós, quem mais precisa dessa análise é a classe dominante, que em sucessivas gerações, desde a Independência, explora o povo e o país. E Viana tem a audácia de escrever que é com esse intuito - de trazer aos responsáveis pela direção do país, para o conhecimento objetivo do nosso povo, uma pequena contribuição - que empreende esses seus ensaios.
Seus ensaios estudam e revelam as incapacidades e deficiências da classe dirigente ou, como ele prefere, os responsáveis pela direção do país, e o povo aparece como deuteragonistas, figurantes, que pouco importam na construção do país. Quem pensa assim, invalida desde o começo a elaboração de sua análise.