Deodoro: a espada contra o Império Tomo 1 – O aprendiz de feiticeiro (da Revolta Praieira ao Gabinete Ouro Preto)

de suas prerrogativas, dotado de um temperamento narcisista, que o levava por vezes a atitudes de arrebatamento e obstinação. Quando dizemos narcisista, não queremos atribuir a este vocábulo um sentido vulgar, que muitos lhe emprestam, de zelo pela aparência exterior, cuidado exagerado pelo físico e pelas roupas, mas o que lhe dão os estudiosos da psicanálise moderna, alguns dos quais o classificam como uma "inflação do eu". Seu amor-próprio, sua autoconfiança, o sentimento de dignidade e de superioridade, mosaicos que compunham o caráter de Deodoro, prepararam o ilustre soldado para a missão histórica que lhe coube realizar, convertendo-o em símbolo de sua própria classe, defensor extremado de seus melindres, desafiando primeiro Cotegipe e, depois, indo além, o próprio imperador, em cujas prerrogativas de chefe da Nação se investiu revolucionariamente. O caráter de Deodoro só conhecia momentos de hesitação quando ainda o afligia o traumatismo moral da infância, superado, com um gesto decidido e radical, a 15 de novembro de 1889. Toda a sua vida foi uma preparação para esse momento. No seu narcisismo, aceitou Deodoro fazer a República, e a fez. Esse mesmo narcisismo levou-o a romper violentamente com seus antigos companheiros de jornada e a colocar-se acima da própria Constituição, que meses antes jurara cumprir e manter. É provável que o próprio narcisismo o tivesse impedido de macular sua passagem pelo governo, fosse com atos menos probos, fosse com uma tentativa para reter o poder, com derramamento de sangue, em novembro de 1891. Preferiu, então, modelar a figura do herói perfeito, pai de um regime, desinteressado até à renúncia, ferido pelo que interpretava como a mais funda das ingratidões dos companheiros de armas, mas que a história sancionaria como uma necessidade imperiosa para a preservação da República. É essa vida que vamos contar neste livro.

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