Anchieta

pé nas suas doenças; curavam as suas feridas com o mel de abelhas; nutriam-se escassamente de água e de farinha. Em torno deles, uma fauna bravia ou insidiosa: gatos e porcos monteses, onças e cascavéis, símios e antas. Pássaros de toda a cor, de toda a casta, revoavam no meandro e na verdura da folhagem. De onde em onde, manava dos troncos uma resina, escura e densa, com que os sertanistas calafetavam os barcos, à margem dos rios. Eles sentiram nos ermos calcinados, por vezes, a angústia da fome e da sede, avistaram pelo caminho, galgando a serra, blocos de mármore, alterosos, mas não descobriram nessas paragens infinitas e agrestes o ouro desejado.

A desilusão do padre Navarro, caçador de almas, foi maior que a deles. Nas aldeias horríveis dos tapuias e dos catiguçus, nações estranhas e carniceiras, o jesuíta assistiu, perplexo, aos ritos singulares do maracá, o Amabazorai, cabaça pintada à guisa de cabeça humana, em torno da qual bailavam os índios, com outras cabeças iguais na mão, retorcendo a boca espumante, gesticulando como doidos, uivando como perros, a esperar que lhes brotassem do campo os mantimentos, sem trabalho, e as flechas, por si mesmas, fossem à mata flechar os veados. Melancolicamente, o pregoeiro da lei divina assistiu a cerimônias fúnebres ainda não vistas na matança dos inimigos. À porta da aldeia banhada pelo rio Monail ergueu uma cruz, uma capela, e foi por outras aldeias, batizando, instruindo os selvagens, forte na sua esperança e na sua doutrina. Mas lidava infrutiferamente, porque os bugres não lhe retinham as palavras, embora as ouvissem com alegria. Tudo esquecendo, logo depois da sua partida, eles tornavam à delícia dos vinhos e à crueza das guerras. Sem que fosse pelos cristãos

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