I
A CORTE TRISTE
Quando nasceu D. João - em 13 de maio de 1767 - uma tristeza inexprimível estrangulava a corte de Portugal. Depois da implacável justiça que o marquês de Pombal mandara executar contra os regicidas, completada com a expulsão dos jesuítas, a nobreza vestia luto - aparentando humildade – e o clero tremia no fundo dos seus privilégios e imunidades. Havia grandes fidalgos portugueses escondidos nos cárceres da Junqueira, desterrados ou deserdados; e dos subterrâneos das prisões, das capitais europeias por onde se espalhavam os fugitivos, um ruído de imprecações trovejava, distante e impreciso. Envelhecera El-rei D. José, rubicundo, lento de movimentos, o ar sombrio, roído de remorsos, predisposto à apoplexia, que paralisara o pai, antes de o fulminar; e a rainha D. Mariana, cada vez mais devota, séria como uma abadessa, discreta como um ministro, pensava sobretudo na vida eterna. O terror do castigo Divino apunhalava, pungia a corte, que em procissões, novenas e atos pios esquecia as injurias de Sebastião José de Carvalho e Melo e, no afã de salvar a alma