comprometida por históricos erros, toda a família real faria inveja às ordens religiosas, mesmo aos frades observantes, na sua aguda fé paciente, misturada de construções de igrejas, de dotações de conventos, de penitências públicas, de festas ricas e intermináveis em louvor de Deus. D. Maria e o marido, D. Pedro III, foram os mais fervorosos cristãos daquele seminário bizarro - que eram o gracioso paço de Queluz, o paço da Ajuda, e mais longe, Mafra e Vila Viçosa.
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Passava a casa de Portugal a ser uma das mais débeis e enfermiças da Europa - como avisara o cardeal de Bourbon. Os casamentos consanguíneos, a herança mórbida, a melancolia da sua corte mística, apática e estremunhada de pavores indefinidos, davam-lhe, no reinado de D. José I, a fisionomia de uma velha estirpe decadente, cujos estigmas degenerativos confluíssem num rei gotoso, epiléptico, reservado, com as pernas ulceradas - síndroma dinástico, peculiar aos varões de Bragança - que lhe retardavam os passos preguiçosos pelos seus palácios cheios de frades. Casara, entretanto, a filha lipemaníaca, ardendo de delírios religiosos, com o infante D. Pedro, seu tio, mais velho do que ela dezoito anos, balofo, boquiaberto, abúlico - porque as princesas herdeiras não podiam ligar-se a príncipes estrangeiros. O legado de neuróticos nostálgicos, de misantropos depressivos,