O rei do Brasil: vida de D. João VI

dissolviam em quebrantos de ternura, honesto, confiado, ignorante, levando a sua paciência ao cúmulo de colecionar relógios, centenas de pequenas máquinas complicadas, aos quais ele mesmo dava corda, para que marcassem, exatíssimos, a mesma hora - e tão jovial que jogava o box ou a esgrima com os lacaios, desbaratando-os ruidosamente. D. Pedro II, D. João V e D. José I de Portugal, na sua mocidade de corrida às ruas sujas, pelas noites de Lisboa sem iluminação e sem polícia, escaramuçando, às gargalhadas, com os transeuntes - pareciam reviver naquele príncipe espanhol feio, corpulento e generoso. Mas a princesa Maria Luiza de Parma o dominava, como Maria Barbara ou Isabel Farnese dominaram os dous outros Bourbons: e sem a virtude, intransigente, daquelas rainhas, cuja política se fizera na câmara conjugal, enleando em carinho o espírito nebuloso dos maridos melancólicos, tinha a mais a preocupação de um mando pessoal, de uma ambiciosa participação na autoridade do esposo reduzido assim a um plano secundário, dependente de caprichos e excentricidades, joguete da intriga inteligente da mulher. Só exteriormente, por isso, no gosto da caça, na sua vida ao ar livre, preferindo à tristeza dos paços as suas coutadas onde, no reinado anterior, dous mil peões tangiam os javardos, por que passassem, enfurecidos, debaixo da mira da escopeta de Sua Majestade Católica Carlos IV imitou a Carlos III, caprichoso, astuto, suspicaz, Luiz XIV de uma velha monarquia despovoada,

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