Prefácio
Escrevi este livro para Charles Wagley, a mim ligado pelo amor aos tapirapé. Escrevi-o para incentivar o colega a publicar tudo o que sabe sobre esses índios e o que pensa sobre eles. Wagley ficou muito mais tempo com eles do que eu, conhece-os muito melhor do que eu.
Quando comecei a escrever sobre esses tupi, fi-lo na certeza de ter como leitores ainda três outros amigos meus: Curt Nimuendajú, Juan Francisco Recalde e Alfred Métraux. Morreram. Perdi Nimuendajú, cuja vida inteira tinha sido dedicada ao estudo e à defesa do índio do Brasil. Perdi Recalde que tanto estimulou o cultivo de sua língua materna, o guarani do Paraguai. Perdi Métraux, autor de trabalhos básicos sobre os tupis antigos e atuais.
Mas outro amigo e grande entendido em tupinambá continua bem vivo: Florestan Fernandes. Frequentemente me lembrei dele ao redigir as páginas que seguem.
São páginas que contêm dúvidas. Ao lado das coisas que vi e dos fatos que podem ser comprovados facilmente, há as informações que me deram os índios, as quais, embora confrontadas com as de indivíduos diversos, não deixam de ser "dados intencionais". Quanto mais refleti sobre o assunto, mais cresceu a minha desconfiança a respeito das interpretações tão a gosto dos nossos teóricos. É por isso que hesitei mais de 30 anos em publicar este trabalho que, confesso, não me satisfaz. Decidi-me, agora, tão somente, para não deixar de oferecer à Etnologia Brasileira a matéria-prima que por pouco não seria divulgada.
Para caracterizar melhor a cultura tapirapé, comparo-a com as culturas das tribos vizinhas e de diversas outras tribos tupi. A consideração de certos pormenores revela, às vezes, peculiaridades culturais que se opõem a dadas generalizações difusionistas.
Visitei os tapirapé em 1935 e 1947. Descrevi a primeira viagem, feita em companhia do missionário escocês rev. F. C. Kegel, na Revista do Arquivo Municipal, volume XCVI, São Paulo 1944, e a segunda n'O Estado de S. Paulo, em outubro e novembro de 1947. Desta última há, ainda, o diário de meu companheiro dr. Haroldo Cândido de Oliveira, publicado em 1950, sob o título Índios e sertanejos do Araguaia (Edições Melhoramentos).