O Médio São Francisco. Uma sociedade de pastores guerreiros

vizinhas e as táticas dos caudilhos ante o jogo de dividir-para-reinar, dos políticos, dos dirigentes partidários, dos homens de governo da Capital e quantas manhas e expedientes, nem sempre limpos e muito menos francos e sinceros para a conquista de posições, a vitória nas eleições, o manejo dos cabos eleitorais, a submissão de contrários, a mudança de chefias, a de prestígio, de favor, de força junto aos poderosos.

Outra ordem de contributos de Wilson Lins, neste livro, é relativa ao folclore, à linguagem, à religiosidade, às atitudes do homem da região diante da seca, das cheias e da vazante, da doença e de outros fenômenos da natureza, bem como a utilização do espaço na casa, nos "comércios", na roça, em notas e registros que pesquisas ulteriores confirmam, como em A Língua e o Folclore do São Francisco, de Edilberto Trigueiros, em 1963 (publ. em 1977) e o mesmo ocorre no tocante à fértil mitologia ribeirinha, que o leva a identificar e retratar diversos seres misteriosos nas águas do grande rio - a mãe-d'água, o cavalo-marinho, Romãozinho, o caboclo-d'água - componentes do panteão mítico e que combinam com os santos nas devoções, nas romarias, nas rezas e nas danças sacras, para aplacar ou propiciar o mundo preternatural. E, nisto, antecipa-se aos achados e às explicações de Eduardo Galvão, em Santos e Visagens (1955), tratando desse curioso amálgama de religião com animismo e magia.

Toda essa sugestiva antropologia focaliza ainda duas notas salientes e, como outras, fundamentais para entender o vale do São Francisco e muito do sertão mais ou menos de todo o Brasil: uma vem numa moldura historiográfica, outra é de cunho indisfarçavelmente etnográfico e sociológico. A primeira consta do relato, em cores vivas e minudentes, do desenvolvimento do coronelismo, do chefismo, do mandonismo, a mostrar como surgiram e se organizaram em instituições e teias de valores a determinarem a ação nas crises e nas disputas de terras e de poder, particularmente desde a República, ensejando a formação das grandes chefias. Uma destas é exercida pelo coronel Franklin Lins de Albuquerque, personalidade excepcional pelas qualidades de inteligência e de aptidões, de cuja história pessoal se vem a ocupar, mais tarde, o próprio Wilson Lins, como filho e como analista, em publicação que lhe consagra à memória (Breve Notícia do Coronel Franklin / No Centenário do seu Nascimento, 1881-1981); algumas outras, como as de João Duque, Leobas, Militão, de idêntico

O Médio São Francisco. Uma sociedade de pastores guerreiros - Página 15 - Thumb Visualização
Formato
Texto