Santa tinha espalhado o seu manto sobre as nossas cabeças. Mas havia franjas vermelho-ouro, tiradas indiscutivelmente às paredes da matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto.
Mestre Aurelio passa entre as árvores e os pássaros chilreiam à marcha compassada dos poucos amigos que o homenageado, antes de morrer, tinha mandado convidar para aquela festa íntima.
A aragem que agora sopra, confidenciando segredos que só os mortos entendem, deve vir de Belo Horizonte, das ruas silenciosas do Bairro dos Funcionários, com aquelas varandas onde os aposentados tocam flauta de chapéu na cabeça, às 6 da tarde, depois do jantar.
Mas não, a brisa vem de mais longe talvez. Vem da Diamantina natal, das suas areias brancas, dos beirais dos seus telhados, e embalou levemente os pesados sinos adormecidos.
Mestre Aurelio segue devagar o seu passeio, como convém aos velhos poetas latinistas. Aproximamo-nos do fim. Aqui está a entrada da casa nova, morada simples e acolhedora como as outras que teve.
Agora nos despedimos do amigo cansado que se vai recolher. Não perturbemos o seu sossego. Se a vida de Mestre Aurelio nos reconcilia com a vida, o espetáculo de sua morte nos faz amável à ideia da morte.
AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCO (Boletim de Ariel de novembro — 1937).