Afonso Pena e sua época

que com tanta dignidade e tantas virtudes nos presidia à República — o Dr. Afonso Pena.

Nos quase noventa anos de Nação independente que já contamos, é a primeira vez, entre nós, que a morte colhe no seu posto a um chefe de Estado; e, de tal modo, o fez, em circunstâncias tais, neste momento, que todos o sentimos com a angústia de uma verdadeira calamidade nacional. Em um período em que o povo encetava novos costumes políticos, e de cuja salutar agitação nos prometemos uma era nova na vida constitucional, vimos desaparecer com esse imprevisto uma garantia de ordem, paz e liberdade, em que o Brasil ultimamente punha os olhos com toda a confiança.

O vazio que de ontem para hoje se sentiu produzir-se em a nossa atmosfera moral, essa tristeza que invadiu todos os lares, essa ansiedade que oprime a todos os espíritos, esse sobressalto que se apoderou de todos os interesses, assinalam um desses acontecimentos que transcendem o cenário oficial, para dominar uma conjuntura histórica e envolver a alma de uma nacionalidade. Dir-se-ia que, na vulgaridade ordinária do teatro, onde se sucedem os governos e mudam os partidos, inesperadamente sobrevém, a longas distâncias, estes casos de fulminação, repassados da presença divina, como para mostrar à dureza da nossa indiferença o preço de um homem de Estado, e juntamente ensinar as nações, pela impressão da sua necessidade, a reagir contra a fraqueza das horas de esmorecimentos.

Se o serviço público tem os seus mártires, nunca dessa experiência assistimos o mais singular exemplo. Coração poderoso até o derradeiro alento, foram os seus facultativos que mo atestaram, órgão todos eles ilesos, constituição destinada ainda, pela sua integridade e robustez, à fruição de longos dias, expirou sem agonia, creem os profissionais que pela sideração de um choque moral, murmurando um apelo a Deus, à Pátria, à Liberdade e à Família, quádrupla síntese de sua vida austera e pura.

Essas quatro expressões, colhidas nos lábios do moribundo, ao extinguir-se do seu último suspiro, em testemunho fiel do seu derradeiro exame de consciência, quando o espírito já se lhe banhava na luz da eternidade pela religião de seus pais, cujo conforto acabava de receber com efusão, me coube a mim ouvi-las dos seus médicos e dos seus amigos, ainda vivas da voz que as animara, para vo-las transmitir, Srs. Senadores, a vós e aos nossos conterrâneos, como o testamento de uma nobre alma e a lição de um honrado exemplo.

Assim a saibamos aproveitar, como é de crermos, para, elevando-nos acima das paixões que nos têm dividido esterilmente, buscarmos na verdade dos princípios o nosso norte, nos benefícios da união o nosso conselho; na estima da opinião pública a nossa força.

Nela se acha o segredo que tem de resolver as dificuldades da sucessão, cujo período ora se instaura para os responsáveis pela administração do país. Ele quer, deve e há de governar-se a si mesmo,

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