Afonso Pena e sua época

uma vez tenho contrariado aos usos da silenciosa impassibilidade a que as nossas praxes a condenam [...]

A expressão de traumatismo moral enchia os salões do paço da presidência naquele dia lutuoso, donde se derramou, já na mesma tarde, e ainda mais na manhã do imediato por quase toda a imprensa. E por quê? Porque ela caíra da boca dos médicos, estes a haviam empregado na comunicação do seu diagnóstico aos ministros, e de uns e outros se propagou por entre a assistência numerosíssima, cuja presença animava aquela casa.

Aí é que ma trouxeram aos ouvidos, quando lá fui ter, nessa ocasião, consternado pelo fúnebre desenlace. Aí ma repetiram alguns membros da administração Afonso Pena, e um deles, para me deparar ensejo de beber a certeza em fonte limpa, convidou o mais ilustre dos assistentes do finado a me vir dar em pessoa o seu depoimento.

Quem mo vem contestar agora? A Tribuna. Ninguém me conhece melhor do que o seu redator.(6) Nota do Autor Ninguém mais do que ele sabe que a paixão do interesse público domina toda a minha vida. Ninguém tem ciência mais cabal de quanto sou incapaz, em qualquer situação, de praticar um ato menos digno, principalmente de incorrer na torpeza da mentira, quanto mais na perpetrar da cadeira onde me assentou a confiança do Senado. Não obstante, aparelhou ela uma interview com o eminente clínico,(7) Nota do Autor a quem supõe dizer respeito a minha alusão, para me desmentir.

Quem a ler, no A Tribuna desta tarde, verá que as respostas do interrogado exprimem a confirmação mais evidente do que essa folha pretende negar. Perguntado "quanto à influência do choque moral sobre a moléstia do presidente", responde o insigne professor:

"— Peço-lhe, meu amigo, que me perdoe nada lhe poder adiantar a respeito para o seu brilhante jornal. Se precisar dos meus serviços profissionais, serei até o seu enfermeiro, porém...

— Nem uma palavra?

— Nem uma palavra.

Toda a gente aí, ao contrário, o que está vendo, na linguagem da pessoa inquirida, é o empenho de não apoiar a contestação em que se interessava o interrogador. Mas este, invertendo manifestamente a evidência, ali descobre meio de triunfar à custa de minha veracidade, assacando-me a increpação de 'emprestar como opinião sua' a um profissional da mais alta responsabilidade um sonho ou invento meu.

'Compreendendo, pelo tom categórico da resposta, que era inútil insistir, despedimo-nos penhorados pela gentileza com que nos cativara o ilustre professor de medicina.

Nossos leitores, porém, devem ter percebido que o eminente médico, tem temperamento avesso a debates políticos, não querendo abordar a questão do traumatismo moral, que se lhe emprestou como opinião sua, não deixou entretanto de circunscrever a enfermidade

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