sua saúde, de sorte que por duas vezes foi sangrado. Com esse remédio pôde entrar em lenta convalescença e sair rumo à Terra de Santa Cruz chamada Brasil. Só aqui, "por ser lugar frio", completa-se enfim sua cura.(20) Nota do Autor Passado um século e mais o anônimo do Livro que dá Razão do Estado do Brasil ainda aludirá por mais de uma vez ao hábito que tinham os corsários de vir a estas costas a sarar das enfermidades que lhes causava a Guiné.(21) Nota do Autor
Não será entre os viajantes e cronistas portugueses que iremos deparar com as amostras mais claras do pendor comum entre autores quinhentistas para apresentar os mundos novos em termos que recordem os esquemas já utilizados nos tempos medievais para as descrições do Paraíso Terrestre. Só ocasionalmente discernem-se, nas páginas daqueles cronistas ou viajantes, elementos isolados desse quadro ideal.
E é possível que a simples docilidade exterior e formal a uma convenção antiga, sirva para explicar, em seu caso, o prestígio ainda que fragmentário, daqueles cenários estereotipados, válidos indiferentemente para as terras recém-descobertas e para as "visões" do Paraíso, cuja popularidade na ascese medieval se iria reanimar com a era do Barroco. Cenários esses onde a Divina Providência se esmerara em suscitar unicamente formas deleitáveis aos sentidos: à visão, através da verdura perene da folhagem e dos variados matizes que ostentam as espécies vegetais e animais; à audição, pela celeste música das aves canoras que povoam os bosques, ou o sussurro das cristalinas fontes e dos riachos serpentinos; ao olfato, pelo aroma que incessantemente se desprende das flores e do arvoredo ("Omnes arbores ibi sunt odorate", segundo se lê na Mundus Novus); ao paladar, graças ao sabor vário e à doçura das frutas... Além disso desconhecem-se dores, tristezas, achaques ou pestilências, nesse clima eternamente primaveril, sem frio nem calor, onde, enfim, a humanidade parece realizar o sonho eterno da Idade de Ouro, vivendo numa perfeita comunhão de afetos e vontades.