Visão do paraíso

Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil

Desses motivos clássicos e mais ou menos convencionalizados, já se viu como o da longevidade dos naturais e o da salubridade da terra puderam impressionar vivamente a muitos portugueses, àqueles, inclusive, que uma longa residência nestas partes permitisse retificar opiniões tão lisonjeiras. O mesmo se há de dizer de outro motivo intimamente vinculado às visões edênicas, como seja o da singular temperança do clima, sem os extremos de frio ou mesmo de calor. Dentre os inúmeros exemplos que abonariam nesse sentido os ares do Brasil, poderia citar-se o que dizia Anchieta, em carta de 1560, quando já contava cerca de sete anos de residência na terra. Nesse documento, depois de falar das estações do ano, que nela se dividem de modo inteiramente oposto ao da Europa, de sorte que é inverno aqui quando lá é verão, e vice-versa, acrescenta que ambas "são de tal modo temperadas, que não faltam no tempo de inverno os calores do sol para contrabalançar o rigor do frio, nem no estio, para tornar agradáveis os sentimentos, as brandas aragens e os úmidos chuveiros, posto que esta terra, situada (...) à beira-mar, seja regada em quase todas as estações do ano pelas águas da chuva".(22) Nota do Autor

O depoimento de Anchieta pode traduzir, no entanto, a experiência unilateral de quem, tendo vivido, até àquela época, sobretudo nas capitanias do Sul onde maior é a moderação da temperatura, se achava menos apto a falar com o mesmo conhecimento de causa sobre as demais capitanias. Mas que dizer, nesse caso, de Pero de Magalhães Gandavo? Que tenha ele estado no Brasil, parece hoje fora de contestação; mas o tratado e a história que lhe dedicou mal autorizam a supor que tenha viajado para o sul de Ilhéus, isto é para regiões a que, ainda assim com benevolência, se ajustariam melhor certos tópicos de sua descrição do clima da terra, coincidentes com os de Anchieta.

E de fato é a esta "província de Santa Cruz", tomada no seu conjunto, que pretendem aplicar-se aquelas palavras do cronista, onde escreve que ela é "à vista mui deliciosa e fresca em gram maneira; toda está vestida de mui alto e espesso arvoredo, regada com as águas de muitas e preciosas ribeiras de que abundantemente participa toda a terra, onde permanece sempre a verdura, com aquela temperança da primavera" que em Portugal, acrescenta, "nos oferece Abril e Maio". Concluindo, diz ainda: "É isto causa não haver lá frios, nem ruínas de inverno de ofendam as suas plantas, como cá ofendem as nossas. Emfim que assim se houve a Natureza com todas as cousas desta Província,

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