O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824
ERNST EBEL
No ano do sesquicentenário, a Brasiliana divulga um dos mais vivos retratos da corte brasileira na era da Independência. O relato de Ernst Ebel, um dos menos conhecidos, é aqui "posto em linguagem", como se dizia outrora, devida e cuidadosamente anotado pelo Embaixador Joaquim de Souza Leão Filho, um perfeito conhecedor dos arcanos da linguagem do autor e um dos mais competentes peritos na iconografia do tempo.
Ebel morou em pleno Rio de Janeiro da era da fundação do Império. Esteve em hospedarias, conviveu com o povo. Não viu a sociedade com os óculos róseos de certos diplomatas em busca do exótico ou do estranho, nem com o amargor dos que vieram "fazer a América" e se viram frustrados em suas ambições.
A importância de seu depoimento singelo está no ambiente que ele retrata como nenhum outro. A independência estava próxima e o prestígio pessoal do Imperador ainda bastante alto. Os remadores do barco que o trouxe à terra usavam o tope verde e amarelo e o emblema em ângulo com a divisa: Independência ou morte.
Cardápio e custo de uma refeição comum, indumentária usual, condições de hospedagem, tudo isto é descrito com minúcia rara de encontrar-se nos viajantes aristocráticos. Não falta o elogio à capacidade e à relativa beleza da jovem escrava de 16 anos que teve a seu serviço.
Uma observação curiosa: "O carnaval", diz o nosso viajante, "que em todos os países católicos é tão alegremente festejado, passa aqui despercebido." A única diversão consistia no entrudo, "brincadeira absurda e a que se entregam não só conhecidos como toda a sorte de gente."
Sobre a escravidão seu depoimento é benévolo. "O tratamento aqui dispensado aos escravos é, de modo geral, bom. ( ...) Os escravos podem alforriar-se legalmente quando indenizam os senhores do que lhes custaram. Isto para muitos não é difícil, porque têm a liberdade de procurar trabalho mediante o pagamento de uma prestação. Mas o negro pensa raramente no dia seguinte e, quando logra ganhar alguns vinténs, gasta-os logo bebendo."
Não cria o nosso báltico germanizado na profundidade da crença religiosa dos brasileiros. Para ele a "antiga carolice brasileira se transformou numa total indiferença em matéria de religião."
Do Imperador teve o viajante a melhor das impressões: "É um jovem de vinte e poucos anos, de ótima constituição física, presença sem dúvida imponente e traços aristocráticos. No geral tem um ar sobranceiro sem ser sombrio e é dotado, de mais a mais, de coragem e pertinácia. (...) A Imperatriz é antes pequena, pouco bonita, e seu olhar por vezes duro, quase mal-humorado, não irradia simpatia; em compensação é extremamente culta e ambos vivem na melhor harmonia." Como se vê, o escândalo que abalara um casal realmente feliz, ainda não se havia generalizado.
Excelente notícia é dada do grupo estrangeiro que aqui habitava e que constituía uma sociedade inteiramente à parte, como insistem em afirmar todas as testemunhas.
Não há aqui enfadonhas descrições científicas, nem cansativas estatísticas. Mas a vida comum do brasileiro mediano poucas vezes foi tão singelamente retratada.
Ao deixar o país deseja o viajante que ele "cresça e apareça". É o que esperamos ter feito, atendendo aos votos do amigo.
AMÉRICO JACOBINA LACOMBE