É estranho que só em 1941 o Brasil, através desta coleção Brasiliana, tenha tido conhecimento em português de uma das mais curiosas excursões realizadas em nossa terra. O capitão Richard Francis Burton, cônsul da Inglaterra em Santos, empreendeu uma ousada navegação rio São Francisco abaixo, repleta de aventuras, e registrou suas tribulações num diário cheio de observações da maior acuidade acerca da natureza e da população ribeirinha.
Seus sábios apontamentos sobre a economia da região são-franciscana e sobre os problemas locais e nacionais estão muito acima das simples preocupações com o pitoresco de grande parte dos viajantes contemporâneos.
Além disso, Burton creu no futuro do Império e teve boas relações com o imperador Dom Pedro II. É dos poucos viajantes que compreenderam que não era possível conhecer uma nação sem pesquisar-lhe as raízes. Estudou o português e o tupi. Traduziu para o inglês muitas obras, destacando-se uma excelente tradução dos Lusíadas. Sendo um dos maiores poliglotas do tempo, conheceu a fundo a literatura erudita e popular do Brasil.
Viajante famoso na Índia, na Arábia e na África, tendo enfrentado sérios riscos de vida em suas andanças, é dos mais competentes no paralelo entre as civilizações do Oriente e do Ocidente.
Permaneceu pouco tempo em Santos, então sede do consulado inglês em São Paulo. Sua mulher, a irlandesa Isabel Arundel Burton, biógrafa do marido e também conhecedora da língua portuguesa, passava a maior parte do tempo em São Paulo. Era ela que se incumbia da vida social, que o marido detestava. Frequentava os meios literários e também traduziu para o inglês produções brasileiras. Tinha pelo marido uma admiração fervorosa, difícil de compreender, em vista das profundas divergências ideológicas e temperamentais. O seu prefácio à presente obra é um espelho do difícil equilíbrio do casal.
Infelizmente ela não acompanhou o marido senão até Sabará e não tomou parte na aventura da descida do rio, o que teria fornecido à narrativa aspectos pitorescos.
Burton era um imenso erudito, antropólogo, naturalista, folclorista e, acima de tudo, um arguto observador. Grande parte de suas apreciações acerca do caráter mineiro e baiano são válidas para a Sociologia contemporânea.
Mencionem-se também as suas Cartas dos campos de batalha do Paraguai, onde se encontram dados importantes sobre o conflito, dada a sua qualidade de militar.
Sua tradução de as Mil e uma noites, diretamente do original, é considerada a mais perfeita e é hoje obra de extrema raridade.
A.J.L.