Viagens aos planaltos do Brasil - Tomo III: O rio São Francisco

deixavam-se ficar para trás, saíam do caminho para procurar capim e abrigo, disparavam à frente para evitar o último lugar e, às vezes davam com a carga no chão. Em consequência algumas de minhas coleções se perderam, raras garrafas ou frascos ficaram inteiros, e os melhores impermeáveis furaram-se com os terríveis arreios. A única tentativa para corrigir os cascos dos animais, consistia em colocá-los sobre uma tábua e cortá-los com formão. As mantas dos arreios eram frouxas e os estribos, mal permitiam introduzir a ponta dos dedos do pé, o que fazia a caminhada o contrário de um prazer. Os quadrúpedes estavam fracos, por falta de forragem, e os proprietários não queriam gastar dinheiro na compra de milho para eles. Além disso eram tratados com barbaridade. Pela primeira vez vi crueldade em relação a animais praticada por um brasileiro.

Os seres humanos eram dois e meio. A metade era representada por um menino pequeno, conhecido por Negro Quim, abreviatura de seu nome Joaquim Gomes Lima. Ele parece ter doze, mas alegava ter quatorze anos, e sua voz desafinada estava a seu favor. Era uma estranha mistura de homem e criança. Trazia consigo fumo, isqueiro e faca. Conhecia todas as pilhérias habituais e cultivava todos os vícios dos adultos. Convidava para beber mulher com três vezes sua idade; ao mesmo tempo brincava com frutas do mato e montava na garupa dos cavalos, como os jovens beduínos, por brincadeira. Os adultos Inácio Barbosa da Silva e João, conhecido popularmente por João Caboclo, reuniam quase todos os defeitos de um tropeiro, exceto a bebida. A diferença entre eles era que Inácio tinha a cara alegre, o que discordava de sua natureza, enquanto o temperamento de Caboclo(9) Nota do Autor era muito vil. Ambos eram preguiçosíssimos. Pela manhã, tinha de pô-los para fora das redes e dormiam nos bosques quando deviam estar recolhendo os animais. Durante a primeira noite, deixaram (como se fossem somalis) que um cão comesse a carne que levavam numa sacola, só para não se darem ao trabalho de o enxotar. Tinham de beber água de duas em duas horas, descansar de três em três. Metiam a cabeça em cada porta de cabana e paravam para conversar com os transeuntes da estrada. Discutiam entre si, querendo que o outro carregasse mais meia libra de peso da própria carga. Usavam de uma linguagem grosseira, o que, no Brasil, não é de modo algum usual. A principal diversão para eles era usar como de uma lança as varas que traziam, e espantar os bois que pastavam à beira da estrada. A fuga precipitada dos animais era por eles considerada a coisa mais engraçada do mundo.

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