a pensar na investigação sobre o carro de bois. A colheita do material existente em sua própria biblioteca, as conversas e trocas de ideias com os íntimos, as primeiras cartas para o interior foram o prelúdio do grande, do extraordinário esforço de que resultou esta obra monumental.
Concluída em 1942 a publicação dos anais do IX Congresso de Geografia, lançou-se Bernardino de Souza ao seu último e maior trabalho. Embora a saúde fraquejasse, o espírito era o mesmo, e o entusiasmo, a alegria de uma grande tarefa a vencer iguais a quando iniciou as campanhas do Instituto Histórico e da Faculdade de Direito, a quando recebeu os encargos do Reajustamento Econômico.
A enciclopédia do "Carro de Bois" — é para ser assim denominado este livro — não poderia ser reunida por um homem exclusivamente de pensamento. O corajoso plano, a execução enérgica e quase fulminante exigiram de Bernardino de Souza todas as reservas de homem de ação privilegiado para concluir com as argutas qualidades do sociólogo, do historiador, do geógrafo, do folclorista. Onde teria ido buscar inspiração e estímulo para tão grande e continuado esforço?
Sobretudo se atentarmos para o assunto, aparentemente insignificante e árido?
A explicação temos que buscar nas origens do homem, aquelas que ele manteve íntegras na sua personalidade, na sua sensibilidade.
A saudade do Engenho "Murta" que se lhe não apagou da memória, mas antes adquiriu acentos de maior nitidez nos últimos anos de sua vida, correspondentes à decadência orgânica, a advertir a proximidade do fim, aquela saudade criou em Bernardino de Souza a ideia e a força necessárias à elaboração deste livro.
Em suas reminiscências infantis, que ele tão encantado transmitia aos amigos, há um episódio que pode explicar a escolha do tema e enchê-lo de poesia e colorido.
Bernardino era filho de Otávio de Souza Leite, típico representante da aristocracia rural do Império. Severo, levando a extremos as questões de honra e de cumprimento do dever, acompanhara o filho, então aos 12 anos, à capital baiana, para interná-lo no Colégio Carneiro Ribeiro, dirigido pelo grande filólogo.
Bernardino contaria, em página vivíssima, o espanto que lhe causou a velha metrópole nos começos da República: o desembarque na estação da Calçada durante a noite, as luzes e o casario da cidade alta.
O menino do engenho não se sentiria bem nos rigores do internato, um vetusto casarão da Soledade. Ao voltar, de férias, confidenciou à mãe que não queria mais estudar.
Ouvindo a grave notícia, Dona Filomena não tardou em transmiti-la ao marido. Ela, que tanto receava as severidades do pai para com os filhos, ficou surpresa da nenhuma reação dele.