Antes do mais o carreiro deve ser um profissional de grande habilidade nas manobras e de toda a confiança dos patrões. JOSÉ LINS DO REGO perpetuou em páginas magníficas a figura do mestre-carreiro Miguel Targino e nos recordamos do carreiro Ricardo do engenho da Murta, sempre escalada para a condução de minha mãe e irmãs. Em informações que nos enviou o Dr. Marcos Teixeira, Prefeito de Anápolis, em Sergipe, lemos o seguinte: "Havia carreiros especiais, com juntas apropriadas, só para levarem a sinhá-dona à cidade ou à missa. Aqueles homens gozavam de privilégio na fazenda, pois eram pessoas de inteira confiança e levavam o carro com juntas de bois de uma só cor e bem adestradas, com cuidado e verdadeiro entusiasmo pelo papel desempenhado. Conheci aqui um, chamado "Caboclo", que tinha autorização para vender ou trocar o boi da junta que julgasse impróprio para o serviço, e o dono nada dizia. Certa vez foi encontrado com o ferrão no pescoço do boi (chamado Moço belo), que se achava com a cabeça levantada, gemendo. Perguntaram-lhe porque era assim desumano, ao que retrucou, fleumático — "Vamecê não apanhou para aprendê? Assim o "Moço belo" agora está na escola."
Confirma-o o Cel. Gonçalo Rollenberg, de Maruim (Sergipe), quando nos escreveu: "O carreiro-mor, homem de absoluta confiança da família, envergando uma fatiota domingueira, dirige, vaidoso, o veículo, cônscio da responsabilidade que lhe pesa sobre os ombros."
Registremos outros costumes locais.
JOSÉ LINS DO REGO, à pág. 109 do Menino de Engenho, informa que, em Pernambuco, "carro levando gente não cantava: rodava mudo pelos caminhos". Assim, porém, não é em outros estados: em Sergipe e na Bahia o carro canta ou não de acordo com o gosto dos que viajam. E, em certas zonas de São Paulo, superstições populares exigem até o canto dos carros mesmo transportando pessoas. Disso temos o testemunho de D. Virgínia Lefèvre, no interior de São Paulo, onde acreditam os caipiras que é mau agouro quando o carro larga de cantar; certo dia um caipira recomendou não viajasse em carro mudo. E a Sra. Waldemar Lefèvre, apesar de sua clara inteligência, em carta à minha filha Berenice de Souza, disse que, "por via das dúvidas, não andou em carro que não chiasse."
Em complemento a este capítulo recordaremos linhas adiante a participação do carro de bois em festas e solenidades.
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Como veículo adaptado ao transporte de pessoas, passageiros ou famílias, vale fixar certos aspectos desta sua relevante função social. A sua presença e a sua utilidade em festas tradicionais, públicas ou gerais e particulares ou domésticas, religiosas ou profanas