Ciclo do carro de bois no Brasil

famílias voltavam em cima dos carros de bois, cochilando com a quentura do sol..."

XAVIER MARQUES, um dos maiores vultos da Bahia literária, em seu livro As voltas da estrada descreve as festas religiosas que se realizavam em Santo Amaro, a mais abastada das cidades do recôncavo da Bahia de Todos os Santos, e diz: "A multissecular igreja de Nossa Senhora do Amparo abriu-se nesse ano memorável, para a mais suntuosa das suas festas. Os senhores de engenho exultavam. Nesse ano nenhum dos ricos senhores se deixou ficar nas residências de campo. Foi um desfilar como há muito não se via, estrepitante e pitoresco. Juízes e mordomos da festa, vinham eles com estirados séquitos, a cavalo e em carros puxados por juntas de dez bois, formada cada junta a capricho, de animais de pelo igual: ou todos pretos, ou alvação, laranjos, malhados, bragados, caraças(15) Nota do Autor. Nesses carros, com coberturas e assentos para as famílias, vinham as matronas e moças acomodadas em chumaços acolchoados e almofadas de veludo, com que se amorteciam os choques e solavancos inevitáveis da grosseira viatura. Os convidados, os barões e seus filhos, seguidos por esbeltos lacaios negros, tomavam a frente em bem ajaezadas bestas, abrigados sob guarda-sóis claros e amplos como barracas. Mucamas e roliças negras do serviço doméstico arrumavam-se em outros carros de bagagem."

Na Revista Brasil Açucareiro, número de setembro de 1943, Sodré Viana relembra a festa de São José no engenho dos Britos, realizada a 19 de março de cada ano. Os romeiros da cidade do Salvador embarcavam para o Acupe, no município de Santo Amaro, e do Acupe para o Engenho iam a pé, a cavalo, em carros de bois. Chegados, aboletavam-se todos do melhor modo no sobrado, no engenho, reinando viva alegria por alguns dias. E cita uma quadrinha que era repisada pelo velho Herculano em meio do arrojado samba em que toda a gente esquecia as suas mágoas:

"Eia, meu cumpadinho

bonito vou lhe dizê

carro não canta sem azeite

eu não canto sem bebê."

Multiplicam-se os informes neste sentido, muitos dos quais atestam a permanência até hoje desses hábitos seculares. Dos municípios de Monte-Mor e São Miguel Arcanjo, de São Paulo, recebemos as seguintes comunicações. Do primeiro: "Na grande festa do Divino Espírito Santo, cuja tradição é de todos conhecida, as famílias vinham para a cidade em carros tipicamente enfeitados que eram entusiasticamente recebidos na entrada da povoação, com foguetes e bandas de música, trazendo cada carreiro, num dos braços, uma rosca simbólica, emblema do próprio veículo." Do segundo: "Nas vésperas das festividades do padroeiro da localidade e do Divino

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