Ciclo do carro de bois no Brasil

mulher, Nhá Maria, iam em carro de bois a Jabuticabal, que era então o comércio mais próximo, buscar açúcar, aguardente, farinha de trigo, etc., não esquecendo os foguetes e artigos de diversão. As festas corriam à maravilha — orações, batizados, penitências, comidas, doces, danças, alegrias em suma. Ao sítio de Nhô Belarmino chegavam às vezes mais de dez carros com os seus carreiros de vara de ferrão na mão, camisa e calças de algodão, sapatão nos pés, lenço vermelho ao pescoço. Na tarde do dia de São João já estava erguida a tradicional fogueira, e a capelinha, toda enfeitada de bandeirinhas de papel de seda, regurgitava de festeiras. Às 7 horas da noite havia o terço presidido pelo capelão Chico Bento, depois do que se conduzia, em procissão, a imagem de São João até o córrego, a 500m de distância, onde a lavavam, voltando em seguida para a capela. A esse tempo já ardiam as chamas da fogueira, em torno da qual passeavam os pares; reduzida esta a braseiro, de acordo com as tradições, uns a pulavam, outros passavam rápidos sobre as brasas. Seguiam-se refeições, libações, danças, da quadrilha ao cateretê, jogos, brincos de toda a sorte: e assim festejavam e passavam a noite do padroeiro os heroicos desbravadores de um sertão bravio. Na tarde de 24 os carreiros atrelavam os bois das suas juntas para a viagem de volta. Após as repetidas despedidas, partem os carros chiando melancólica e saudosamente, sob

o patrocínio do milagroso São João, em direção aos lares distantes de cada qual para as árduas labutas do granjeio da terra."

MELO MORAIS FILHO, num dos capítulos de seu citado livro, descrevendo as Santas Missões que, de quando em quando, se realizavam e realizam nas localidades do interior, destinadas a "preparar o povo pela penitência, instruí-lo no catecismo, encaminhá-lo pelo batismo, pela prática da virtude e do bem ao reino de Deus", relembra a peregrinação dos crentes às freguesias em que elas se sucediam e escreve: "Ao entardecer, quando as aves cantavam nas selvas, os sertanejos começavam a abandonar as suas habitações humildes, ganhando a estrada; as famílias a pé ou em carros de bois, aproximavam-se do arraial e, pouco a pouco, o adro da igreja e a praça regurgitavam de povo, que se sentava depois ao acaso, à espera do catecismo e da prédica". Em nossa infância muita vez presenciamos a caravana de dezenas de carros de bois que conduziam os crentes para a ouvida dos conselhos dos missionários.

c)

Não são desconhecidas no Brasil, de longa data, as festas agrícolas ou rurais, tão numerosas e variadas sob outros céus, em honra ao trabalho e ao esforço humanos para a obtenção dos elementos indispensáveis à própria vida. Nelas muitas vezes se confundem elementos de outras festividades e as suas práticas se afeiçoam às condições sociais e econômicas dos diferentes povos. O assunto é

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