Stendhal, tocado pela paixão romanesca, gostava de pintar heróis. Machado, mais independente, divagava, sorria, dizia cousas sutis... Por isto, os seus melhores livros, mais seus, mais característicos, são Quincas Borba, D. Casmurro, As Memórias Póstumas de Brás Cubas e alguns outros do mesmo gênero, onde lhe são permitidas todas as liberdades de processos.
Eis, para mim, a suprema virtude artística de Machado de Assis. Em toda nossa literatura são raros os artistas que têm preocupação de ideias. Em regra, somos muito mais retóricos do que pensadores; interessam-nos, sobretudo, o aspecto externo das cousas, a Natureza e a superfície da sociedade. A alma humana, em seus pequenos mistérios e sutilezas, mediocremente nos importam. Existem em nossa bibliografia romances de costumes e paisagens, mais destas do que daqueles, e alguns livros de ideias que agitam problemas sociais e nos obrigam a pensar; mas faltam-nos livros de análises íntimas, isto é, o que, na técnica literária, se chama propriamente romance psicológico. Machado de Assis torna-se, pois, um caso à parte, um escritor singular, sem filiação, nem parentesco em nosso meio literário. Perguntamos a nós mesmos como pôde este homem isolar-se em sua torre de marfim, resistir às influências ambientes e fixar sua esquisita personalidade.