A inteligência do Brasil: ensaios sobre Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e Rui Barbosa

natural pelos homens e pela vida; no satírico, há sempre o ódio, o rancor concentrado, que extravasa e corrói. A ironia é mais atitude de que sentimento, um grão de malícia para temperar a sensaboria das cousas. O caso de Voltaire e de Anatole France. O humorismo é mais profundo; situa-se, de algum modo, entre a ironia e a sátira ou sarcasmo. Pode ser que provenham todos da mesma causa psicológica — a consciência, em certos espíritos superiores, do desacordo eterno da vida e da própria superioridade em relação aos outros homens. Mas tomam formas diversas. A cada sensibilidade, a sua maneira especial de reação. Os vícios, os ridículos, as tolices humanas que levam Swift até a blasfêmia e o desespero, e Eça de Queiroz até a caricatura, fariam esboçar em Machado de Assis um sorriso cético e amargo. Falido nos sentimentos simpáticos e na capacidade de agir, é um misantropo, um negativo, que se defende pelo humor.

Para temperamento de tal quilate, o romantismo era roupagem imprópria. Faltavam-lhe virtudes essenciais: o amor da Natureza, do décor, a facilidade do enredo e a plena liberdade de imaginação. Sua arte é toda íntima, toda subjetiva. Foi muito mais psicólogo do que romancista. Daí, seus pontos de aproximação com Stendhal, um dos seus escritores prediletos, ressalvada, está claro, a diferença de processos artísticos.

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