As guerras dos Palmares (subsídios para a sua história). 1º volume. Domingos Jorge Velho e a “Troia negra”, 1687-1700

a massa de corpos negros agitava-se como um formigueiro de homens, para beber avidamente um pouco desse ar lúgubre que se escoava pela escotilha gradada de ferro. Havia lá, no seio do navio balouçado pelo mar, lutas ferozes, gritos, uivos de cólera e desespero. Os que a sorte favorecia, nesse ondear de carne viva e negra, aferravam-se à luz e rolhavam a estreita nesga do céu. Na obscuridade do antro, os infelizes, promiscuamente arrumados a monte, ou caíam inânimes num torpor letal, ou mordiam-se, desesperados e cheios de fúrias. Estrangulavam-se, esmagavam-se: a uns saíam-lhe do ventre as entranhas, a outros quebravam-se-lhe os membros nos choques dessas obscuras batalhas. E a massa humana, cujo rumor selvagem saía pela escotilha aberta, revolvia-se no seu antro afogada em lágrimas e em imundície". (Oliveira Martins — Brasil e as colônias portuguesas — p. 59 e 60). E não obstante essa mercadoria era assaz preciosa, pois custava perigos inenarráveis, heroísmos estupendos, lutas desumanas; eram tais os horrores a que eram sujeitos, que ainda hoje causa vertigens a sua descrição: e muitos, para escaparem a tais pavores, preferiam o suicídio, lançando-se ao mar na ânsia de se libertarem do martírio pela morte redentora, ou produziam fendas e rombos nos porões onde eram transportados, para ao menos na morte serem igualados na mesma sorte escravos e algozes.

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