ter aceito, de bom grado, essa deformação que lhe resguardaria a intimidade e a verdadeira fisionomia. Com uma docilidade espantosa, ajeitou-se nas formas da sua futura estátua, encolhendo aqui, esticando acolá, aparando excessos, acolchoando vazios. E assim ficou sendo "o homem da porta da Garnier", conversador sóbrio e malicioso, hábil em pequenas frases-fórmulas, logo recolhidas com sorrisos cheios de finura por ouvintes obrigatoriamente boquiabertos; o "homem da Academia de Letras", formalista, conservador, tentando oficializar a literatura, transportá-la dos cafés para os salões fechados, recebendo, com requintes de detentor máximo da cultura clássica, ramos do carvalho do Tasso; o "humorista sutil", êmulo indígena dos mestres ingleses, para gáudio dos nacionalistas com pruridos literários; o "burocrata perfeito", aferrado aos regulamentos, às horas certas, às praxes, aos usos; o "marido ideal", o bom burguês caseiro, morigerado, indulgente, incapaz de fazer literatura na vida; o "absenteísta" que nunca se quis preocupar com política, que viu a Abolição e a República como quem assiste a espetáculos sem maior interesse.
Com tudo isso, com essa série de rótulos, estava fixado, catalogado, pronto para receber as reverências da posteridade.
Deu a todos a impressão de, como no seu verso, haver conseguido o ideal de "ter uma só cara, ter um só coração". Tão coesa, tão dura, tão impassível