Machado de Assis - Estudo crítico e biográfico

e impessoal como na estátua que o pôs na entrada da Academia de Letras como um porteiro vago e distraído, a sua figura moral se ergue, inumana e simbólica, personificando essa abstração árida: o escritor inteiramente ausente da obra, escrevendo sem se dar, sem se revelar.

Examinemos ligeiramente a criatura que ressalta dos aspectos oficialmente característicos de Machado de Assis; teremos um homem inteligente, de boa cultura e boa educação, frio, indiferente, de um convencionalismo absoluto, escrevendo quase por desfastio, e apenas com o raciocínio.

Lembremo-nos depois dos seus livros — dos seus livros por vezes monótonos, mas de um sabor inconfundível, a princípio insosso, depois acre e persistente. E veremos que nada houve de comum entre eles, que tal obra não podia ter saído de tal homem.

Ora, como Machado escritor é uma realidade insofismável, uma personalidade forte e marcada, não podemos deixar de concluir que o homem não foi o que pareceu — o que quis ser.

Cálculo? Dissimulação? Timidez? Talvez o consigamos saber mais tarde, quando houvermos penetrado no olhar fugidio, abrigado por detrás de um pince-nez, na alma escondida sob uma carapaça de impassibilidade. Por ora, basta-nos saber que essa carapaça foi construída, que não pode deixar de o ter sido.

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