Machado de Assis - Estudo crítico e biográfico

Era ali o seu lugar, ali devia ficar — mas convinha não se mexer muito, para não ostentar o terno coçado, os sapatos cambaios — e para não se mostrar deslumbrado de estar ali.

E ficou num canto, teso, arredio, temendo descobrir em cada olhar o brilho tão temido da zombaria.

Mas como, interiormente, se sentia superior a todos aqueles mundanos bem vestidos, como tinha consciência, no fundo, do seu valor... Essa liberdade de espírito, contrastando com o convencionalismo dos gestos, essa altivez da inteligência, tanta ousadia aliada a tanta modéstia, são a grande revelação da sua obra, a vitória final do artista, a certeza da sua complexidade, da palpitação humana da sua figura. Para compreendê-lo, é preciso não esquecer precisamente daquilo que procurou ocultar: da sua origem obscura, da sua mulatice, da sua feiura, da sua doença — do seu drama enfim.

Não há impiedade, nessa atitude. Ao contrário. Porque essas misérias, que venceu, que sobrepujou, só podem elevar o homem, torná-lo tão grande quanto o artista.

Machado de Assis não foi, como pareceu, um puro intelectual, fazendo da sua vida duas partes bem distintas: uma para a existência quotidiana, insípida e vaga, outra para as elucubrações do raciocínio.

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