num livro, a sua sensibilidade, vai tentar criar a vida.
E, em 1907, obrigando os olhos cansados a mais um trabalho, o velho artista começa um romance, o derradeiro, o Memorial de Aires.
Sem essas páginas de saudades, de uma pureza cristalina, não estaria completa a obra de Machado de Assis.
Há nelas como que uma reconciliação com a vida. Nas vésperas de se deixarem, os dois inimigos se compreendem; a vida revela ao artista um dos seus mistérios, o da ternura humana, que a redime de muitos malefícios, e ele confessa, afinal, que a amava. "Nem ele a odiou tanto, senão porque a amava muito", como o Ahasverus daquele admirável "Viver!"
Não é somente no carinho com que evoca, sob as feições de D. Carmo, a figura de Carolina que Machado torna patente o encanto que achara na existência; não é somente na velhice sadia e serena do Conselheiro Aires que aparece o prazer de existir, de ter ainda algum tempo o gozo de ver, de observar, de sentir a vida em si e nos outros. Há mais, e há melhor.
No romance, o velho diplomata tem uma ligeira inclinação por Fidélia, a última das viúvas moças e belas que, desde "Desencantos", aparecem nos livros de Machado de Assis com uma constância reveladora de algum caso pessoal. Essa Fidélia, jovem e bonita, não possui aquela sedução sensual, aquele ar