A gloriosa sotaina do Primeiro Império - Biografia de Frei Caneca

do passado, sua individualidade ainda procura quem lhe avive os contornos e defina os traços característicos de seu másculo caráter.

Difícil é, entretanto, encontrar no depoimento dos contemporâneos deste lidador o material de que se carece para a construção de tal monumento. Frei Caneca tomba imolado como inimigo do soberano(13) Nota do Autor e traidor da pátria, e apesar da abdicação e regresso de D. Pedro a Portugal, convém não esquecer que a monarquia se prolonga até 1889, sob o cetro de um filho deste monarca. Ora, ainda reconhecendo em D. Pedro II um espírito liberal e tão aberto à influência da cultura universal que Victor Hugo o crismou de Neto de Marco Aurélio, impõe-se considerar que o ambiente nesses setenta anos de vida brasileira não é propício à exumação dos despojos de vultos como o frade pernambucano, e muito menos à sua glorificação. Se ao filho não pode ser agradável que a nação festeje a memória de Frei Caneca, o que só se poderia fazer pondo em relevo o espírito absolutista do primeiro imperador, os áulicos certamente se encarregam de criar em torno dessa memória um vazio de morte, como esses que, no Saara ou na Arábia Pétrea, cercam os frescos oásis onde se erguem as tendas dos nômades.

Não há, para relaxar os nervos e quebrar as energias morais de um povo, como o convívio com o despotismo e a preocupação das camadas superiores da sociedade de não desagradarem à dinastia e ao governo. Viemos de um período de três séculos de regime colonial, sob o pulso do absolutismo. Entramos na vida independente governados por um príncipe a quem o destino reservara, contrassensos da História, sendo ele um caráter inteiriço

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