de autocrata, educado na escola desse mesmo absolutismo, filho amimado de um soberano que não tivera a coragem de o contrariar nos seus ímpetos e excessos, pueris ou sanguinários -, a missão de proclamar dos dois lados do Atlântico o sistema constitucional. " Ora, o aulicismo empobrece o sangue das nações como a malária faz miserável o sangue dos palúdicos, enerva os caracteres, quebranta os ânimos dos mais viris, extingue o espírito de iniciativa, faz sucumbir as individualidades mais robustas, e, para repetir aqui uma velha expressão de Laprade, estabelece a uniformidade, a igualdade no nada. Daí a observação que se faz em todo o período da vida colonial e monárquica da ausência quase sistemática de panegírico ou evocação pública patriótica dos mártires de 17 e 23, com especialidade do arrojado panfletário.
Frei Caneca é, quiçá, a palavra e a ação mais veementes, mais tenazes, mais irredutíveis, contra a autocracia do governo imperial de Pedro I: professor e pregador, publicista e polemista, sacerdote praticante e agitador revolucionário, jornalista e doutrinador, sob qualquer destes aspectos de sua formidável personalidade, vamos encontrar nele o mesmo espírito animoso, inflexível, a mesma fé robusta, a mesma coragem, a mesma voz altiloquente na pregação dos princípios liberais e dos deveres dos cidadãos. Certo que através das suas polêmicas passam, assoviando como obuses, e deflagrando nas hostes adversas, as objurgatórias e os apodos. Ele é irônico, por vezes, e sua ironia tem a suavidade de um comentário discreto, recatado. Logo, porém, uma gargalhada voltaireana explode em meio ao arrazoado, e um fogo vivo de metralha crepita, envolvente e dominador. Quando o debate referve, não conhece o meio termo. Vai certo e rápido ao fim, haja o que houver, caia quem cair à sua estocada. Os seus melhores amigos, mal se acumpliciam com o