ingrato de apitar, de mostrar a esses mandatários que suas desídias, seus erros e deslizes não passam em branca nuvem, sem protesto e reação. É um dos pecados do brasileiro, sobretudo da classe média para cima, esse de malquerer ou subestimar o crítico, esquecido de que há sempre algum mérito em defender o interesse do povo, que nada tem a ofertar aos que não desejam nem aceitai voto; de que há sempre algum valor em opor-se ao poderoso que castiga, ao onipotente capaz de recompensar. Nem se considera que, no Brasil, isso corresponde à abdicação de tudo, exceto a tornar mais difícil a luta pela sobrevivência.
O povo brasileiro precisa reatar amarras com o passado. Bem nos lembramos de que, naqueles tempos quando, para o exercício mnemônico, decorávamos em verso e prosa, às vezes inteiros cantos dos Lusíadas, às vezes sonetos camonianos, às vezes página de Rebelo da Silva ou de Antônio Vieira, às vezes baladas francesas, às vezes trechos de crestomatia grega - também decorávamos que não há pátria sem tradições. Bem nos lembramos do sentido de uma poesia então decorada, de bardo bretão: o pescador recolhera o barco, jantara e, postado em frente à cabana, olhava as fúrias outonais do Mar da Mancha, quando percebeu embarcação em perigo. Com alguns companheiros, entrou no seu En Avant! e foi levar socorro. Morreu tudo; e do barquinho nada repontou na praia. A viúva parece ter ficado meio triste, e vivia a meter na cabeça do filhinho que jamais se aventuraria às águas marinhas: iria ser padre, pois até andava ajudando missa ao cura e furtando vinho nas galhetas. Porém, veio mais tarde um outono, catastrófico como todos os do Mar da Mancha; e certa noite foi vista em perigo uma embarcação. Todo mundo tratou de acorrer em socorro; e o menino ficou na dúvida, se iria também, ou não. Aí, ondejar mais impetuoso atirou-lhe aos pés