II - O ESTRANHO LÁTEX
Desde que se consumara a restauração da soberania de Suas Majestades Fidelíssimas, e, sobretudo, quando estas e suas Majestades Católicas houveram por bem, na altura de 1668, chegar finalmente às boas, do platônico meridiano de Alexandre VI já não se recordava senão entre os leitores de alfarrábios. De uma reta que fora, estava reduzida a uma linha quebrada, torcida em caprichosos zigue-zagues. Aqui, os espanhóis haviam avançado para o levante. Ali, os portugueses a tinham empurrado para o poente. E, a cada incursão ousada, a parte tratara de ir construindo seus fortins, e de fincar os marcos que legitimassem a perpetuação da posse.
A certa altura, por meados do século XVIII, os ânimos se encresparam.
Pela voz da Real Audiência de Charcas, Suas Majestades Católicas chamam Portugal às falas, de medo que o desempenho dos lusos acabasse por torná-los "señores de todo el corazón del Pirú". Comparece, para discutir, o Conselho das Índias. E das discussões havidas, resulta em 13 de janeiro de 1750 o Tratado de Madri - primeiro esboço de um ajuste de limites luso-espanhóis entre as possessões sul-americanas.
Do ponto de vista prático, o espírito do tratado lançava as bases de todos os entendimentos - e mais ainda dos desentendimentos - ulteriores, marcando como norma das demarcações, a preferência dos limites naturais. No caso, a delimitação matemática das nascentes e curso dos grandes rios. Acima de tudo, encerrava o mérito de, pela primeira vez na história, deslocar do plano das relações civis para o das internacionais o instituto jurídico do uti possidetis.