ações na catástrofe napoleônica, logo alternados por vida mundana na corte do Rio, longas experiências agrícolas no engenho tropical de Aramaré(2) Nota do Autor ou envolvimentos políticos em Salvador. Fermenta ali a Independência, extremam-se os campos, e os Pinto da França, por educação e temperamento, homens de centro, seguem e analisam os acontecimentos com uma objetividade dolorosa, conscientes dos excessos dos radicais de esquerda ou direita, que não lhes perdoam a clareza e a serenidade. São anos de angústia, que, na incerteza, vão empurrando os homens para uma hora de escolha difícil: Portugal? Brasil? Soa a hora e a família separa-se, cada um na sua opção. O meu trisavô regressa definitivamente a Portugal, embora os laços se mantenham, entre todos, estreitos, íntimos e afetivos. Um pouco em paralelo às próprias relações entre Portugal e o Brasil. Mas os países têm memória, como existência, mais longa que as famílias, e nós em Portugal vamos perdendo contato com os parentes e o mundo baiano; rareia a correspondência, partilham-se, desfazem-se os bens da casa, bens materiais que ajudam o homem a manter fictícias uniões. Subsistem contatos, cada vez mais esparsos, de geração em geração. Permanecem, por fim, histórias, anedotas, documentos, nomes, dados hirtos e secos em livros genealógicos ou em biografias que, muito embora, ajudam a manter a magia antiga dos tempos baianos.
Na geração do meu avô, passou por Lisboa o baiano Salvador da França, como seu primo direito do mesmo nome, boêmio, versão tropical do toureiro borda d'água lisboeta, charme de fim de raça, como ele arrancado à vida em pleno garbo pela tuberculose, fim romântico conveniente ao galã da belle époque. O seu charme marcou as irmãs do meu avô, que, me lembro, dele contavam a graça da pronúncia e o "prima, prima", para elas encantador e levemente cafona. Depois, o silêncio até 1955. O meu pai, tios e eu próprio começamos, então, a receber cartas de parentes genealogistas de Salvador, nos termos imprecisos em que muitos brasileiros falam do passado, mas, seguramente, pedindo elementos para se reencontrarem. Correspondência rala, mas que cerrou laços e tornou um pouco mais reais esses nebulosos primos do Brasil, que das brumas surgiram, ainda imprecisos, na multidão gerada pelos 17 filhos do tio Henrique, irmão do meu bisavô.