Cartas Baianas: 1821 - 1824. Subsídios para o estudo dos problemas da opção na Independência brasileira

Na euforia do fim da noite chegou o Sr. Seixas, fotógrafo fiel da colônia, com a sua cabeleira de maestro, de uma anafada loucura artística, óculos na ponta do nariz, que, encarapitado numa escadinha bem afastada - já em pleno jardim, para dar ângulo à lente -, fixou para a posteridade o grupo, de aparato e circunstância laboriosamente arrumado no pórtico do palácio. Diverte-me observá-los, um por um, descobrir aqui e ali curiosas semelhanças de família. No Brasil, como em todos os países novos, o fenômeno social evolui rápido e livre. Raça, personalidade, sensibilidade, requinte e até cultura afirmam-se e esvaem-se, efêmeros, numa geração, como vagas do oceano nas praias. Paradoxalmente pareceram-me preocupados com "pureza de sangue"; foi de reprovação e desgosto o tom em que negaram, terminantemente, ter havido qualquer miscigenação "sacrílega" nas cálidas noites baianas que os fecundaram. De fato, uma certa cor pálida comprova a veracidade dessa dramática falta de imaginação. A minha ingênua pergunta refletia o íntimo desejo de saber ter entrado na família a herança africana ou índia de doçura, naturalidade e alegria de viver. Conhecendo o carioca, não esperava os olhares escandalizados com que me fulminaram esses filhos de Salvador.

Ao revê-los na fotografia, e por ela os relembrando um por um, será que imagino ou romanceio, descobrindo aqui e ali feições familiares ou detectando na maioria esse sentido de amizade de sangue e unidade familiar, a simpatia calorosa no contato com os outros que vivi sempre entre os meus? Na sua quase totalidade são figuras humanas de que me sinto próximo, chegadas do passado para um rendez-vous surpresa, que o cumprimento de deveres conjugais do avô Fonte Nova, lá pelos idos de 1830, colocou no meu destino.

Esbatidos os ecos desse encontro, ficou na minha mesa de trabalho o dossiê das cartas baianas. Durante meses, folheei-as ao sabor da fantasia. Era fácil ler a nota que um antepassado intermediário, carinhoso e mais expedito, lhes acrescentara em floreada caligrafia de fins de século: "Cartas de família, muito interessantes por dizerem respeito aos acontecimentos que precederam a Independência do Brasil".(3) Nota do Autor

Contudo, a caligrafia dos restantes personagens desse diálogo epistolar permanecia insondável, à parte algumas frases mais evidentes.

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