Cartas Baianas: 1821 - 1824. Subsídios para o estudo dos problemas da opção na Independência brasileira

os olhos do crochê e ficou a ouvir-me dissertar pela janela. A desconfiança estampou-se-lhe no rosto: suspeitava em mim, talvez, o ladrão de imagens sacras que percorre o sertão baiano, quem sabe um hipotético reivindicador das terras; fosse como fosse, algo de muito estranho. Respondeu-me que não, que não havia já nem capela nem sobrado, que eu não podia lá chegar e nem sabia por onde andava o cunhado. Acabei por desistir e, levando a reboque o Jaime da França Dória, decidi procurar e entrevistar os velhos da vila. Encontrei poucos: não percebiam o que eu dizia ou desconfiavam e calavam-se. Por ali, os turistas devem ser raros. A medida que nuvens negras se acumulavam no céu, o meu primo mostrava-se mais inquieto, consciente de que, chovendo, não passaríamos outra vez pela estrada. A contragosto, cessei as pesquisas e, na maior frustração, entrei no carro. Demos nova boleia, desta vez a um tratorista que havia trabalhado há alguns anos em Aramaré e que afirmou ainda estarem de pé o sobrado e a capela. Mais adiante, enquanto fazíamos o carro sair de mais um lamaçal, o tratorista apontou um Volks que rodava na nossa direção: "Olhe, aí vem o filho de criação do coronel Luísinho, que estuda em Salvador". Um jovem crioulo obedeceu aos meus largos gestos, parou e, saindo do carro, ouviu o meu discurso com afabilidade, sorriu e convidou-me para ir passar uns dias em Aramaré: "O padrinho havia de gostar". Como todo o brasileiro, em particular o baiano, foi vago sobre detalhes, estado do engenho velho etc.

Jurara a mim próprio que havia de voltar e, em outubro de 1976, viajei para Salvador com o meu pai e o meu irmão Bento, interessados como eu neste entusiasmo do mergulho no passado. Desta vez, como era de esperar, o parente baiano não demonstrou grande interesse em voltar a meter o Brasília na picada de Terra Nova. Alugamos um carro, mas não chovia. Haviam arranjado o caminho: Terra Nova estava muito mais perto do nosso mundo.

Parei o carro na praça principal e atravessei-a em direção a um grupo de homens, sentados nos degraus da igreja, que, fleumaticamente, com aquela reserva de sertanejo, me viam chegar. Observei-os também, a medida que me aproximava, gostei da expressão serena e inteligente de um deles e a ele me dirigi. Levantou-se, imponente, mas acolhedor. Seria o primeiro amigo de Terra Nova, o senhor Artur Inácio Silva, vereador da Câmara. Convidou-nos para casa, apresentou-nos a D. Antônia, que nos disse que adorava o fado e nos abraçou por sermos os primeiros portugueses que encontrava; e nos serviu refresco de maracujá,

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