Cartas Baianas: 1821 - 1824. Subsídios para o estudo dos problemas da opção na Independência brasileira

desproporção com minúsculas aldeolas ou engenhos semiabandonados. Por nós cruzavam imensos carros de bois, carregados de cana, conduzidos por pretos de calça arregaçada e largos chapéus de palha, cavalicoques montados em pelo. A meu lado, o Jaime da França Dória sofria a cada buracão da estrada ou sempre que ficávamos atolados: para ele a visita ao engenho velho não valia o carro novo. De tempos a tempos, eu exigia que parássemos e perguntava às gentes que nos cruzavam a pé: "Sabem onde é Aramaré?" Depois de vencida a confusão que lhes fazia a minha pronúncia desconhecida e de repetida a pergunta, abanavam, vagarosamente, a cabeça.

Por vezes, a minha curiosidade não tem limites. Obriguei o pobre parente a desviar à direita para metermos o nariz numa igreja barroca e arruinada que se descortinava da estrada, no alto de uma colina. Desembocamos na única rua, mais uma vasta praça a monte, ladeada de casebres, tendo ao fundo - vestígio do passado rico - a igreja simples e caiada, mas de proporções imponentes para aquele cenário pobre. Alguns chamados em altos brados, a ecoar na praça deserta, fizeram aparecer uma mulher de grande chave na mão. Novos interrogatórios. Estávamos diante da matriz de São Pedro de Tararipe do Rio Fundo. Os documentos antigos e vagos começavam a tomar forma. Ali, pois, se haviam batizado, casado e enterrado aquelas distantes avós baianas. Entrei na ânsia de lhes ver o túmulo, de sentir, talvez, roçar por mim, ao de leve e como brisa, os cabelos soltos das mortas que hoje têm só nome e sangue em mim e em mais alguns. Mas, apesar do abandono secular do grande templo despido, as sepulturas antigas haviam sido removidas. Recomecei, porém, a viagem com um sentimento mais concreto daqueles nomes e daquelas gentes, cujo mistério eu remexia. Escassos quilômetros adiante, anichada num vale, surgiu-nos Terra Nova. Ao chegarmos à ponte arruinada, escolhi um velho preto, de bigodes e cabelos brancos, largo chapéu de palha, capa aos ombros e enormes botas enlameadas, para novo inquérito. Desta vez, a resposta veio afirmativa: conhecia Aramaré, que era do "coronel" Luísinho Dantas, mas ficava a mais de 6 milhas e lá só chegaríamos a cavalo. E mais não disse. Terra Nova nada tem de novo, nem de antigo. Vitória incipiente, deve talvez o grau de município às ambições e manobras de políticos que precisam de uma câmara municipal para se elegerem e logo se esquecerem dos seus eleitores. Como muitas dessas vilas pobres do sertão, casas de aspecto enxovalhado, nas cores mais variegadas, porcos e galinhas pelas ruas. Indicam-me a vivenda da cunhada do "coronel" Luísinho. Uma velha mulata esfíngica levantou

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