a evolução da mentalidade de sua gente (um de seus filhos adere francamente às forças brasileiras, combate sob o comando de Labatut, e o outro se afasta do comando português e o critica asperamente) - não se compreende por que permaneceu em Portugal após a assembleia fatídica, e não voltou à terra natal, como fizeram os demais. O fato de ter jurado a Constituição do Reino Unido não seria empecilho. Dezenas de brasileiros o fizeram e, depois, encarreiraram-se no Império. Isso porque, na tragédia aqui documentada, a figura principal é personagem muda, como em certas tragédias gregas. Faltam suas cartas esclarecedoras. Temos de nos contentar com a correspondência passiva, que nos fornece dados importantíssimos da mudança do ambiente, que evolve desde o temor acerca da atitude do Príncipe Regente em face da dúvida quanto à aclamação como soberano, até enfáticas referências ao grande Imperador Pedro I.
Que se estaria passando na mente do acusado de sempre ser o menos patriota dos nossos representantes, traidor aos ideais de sua pátria, modelo de servilismo e de covardia? Sabe-se que assinou "com restrições" o parecer favorável ao processo dos responsáveis pelo Fico, pedra de escândalo, ocasião da retirada do grupo paulista, o único de fato organizado politicamente. Pelas Memórias do marquês de Alorna, vem-se a saber que ficou renitente no princípio da união de todos os brasileiros. A infeliz tentativa de conciliação representada pela missão Rio Maior deveria ter-lhe despertado entusiasmo. Mas o momento da iniciativa não poderia ser mais inadequado. Qualquer complacência do governo brasileiro, diante de emissários que não aceitassem a preliminar do reconhecimento pleno, seria considerada traição pela Constituinte. O procedimento duro do Imperador teve fim trágico: a morte, em pleno mar, de um dos enviados. Chegara convicto de que viria colher um florão para sua campanha de reconstituição da unidade do império lusitano, e voltava frustrado na tentativa. Isso terá contribuído, certamente, para apressar-lhe a morte.
Não há aqui, pois, nem defesa, nem apologia. Há o quadro exato do drama por que passou uma família luso-brasileira, quando da inevitável passagem do país, de reino associado, a império independente. Se aqui não está um julgamento, dada a falta de peças essenciais ao processo, está, ao menos, um alerta, para nos lembrarmos daquilo de São Mateus (7:1): Nolite judicare ut non judicemini.
AMÉRICO JACOBINA LACOMBE