A pantofagia ou as estranhas práticas alimentares na selva. Estudo na Região Amazônica

Ao perlustrar das matas, ao longo das vertentes ou ao rebordo de algum rio ou lago generoso, avulta o barreiro. É um pedaço de terreno contaminado pelo cloreto de sódio. As plantas que aí vicejam deitam raízes no sal e os bichos cavam fossos mais ou menos profundos para irem mastigar as raízes salgadas. As antas, na ânsia de encontrar alimento salobro, derrubam até palmeiras, diz Alfredo da Matta.(8) Nota do Autor Um barreiro (itá-ceen ou itd-iukira, em neengatu, que quer dizer "pedra doce" ou "salgada") é um sítio certo para se encontrar caça de todas as espécies, porque, na mais curiosa familiaridade, os animais se reúnem nesses lugares para saborear a argila e roer as raízes expostas. Nessa promiscuidade, as feras não ofendem os mais fracos. Todos se irmanam numa estranha solidariedade em torno do maná sagrado.

No barreiro começa a tentação do homem pela geofagia. Aí os índios vão buscar um estranho material para as suas sopas. E quando o barro assume o seu mais importante papel perante as comunidades perdidas nas selvas: o de ser alimento dos animais e alimento dos homens, uma como que impregnação que totaliza o ser humano dentro das grandes regras da natureza. É como o leite da terra-mãe.

Os homens ou aldeias famintas recorrem aos barreiros como reserva alimentar. Fazem sopa de argila. E aguardam o cessar das crises, que, de tão graves às vezes, se contaminam de esperanças mágicas, como na lenda kaxinauá do Acotipuru Encarnado.

Esse pequeno roedor arbóreo de cauda emplumada encantou as plantações secas de uma aldeia faminta, que se tornaram, assim, abundantes de mendobi, mandioca, milho e principalmente bananas. Os homens chegaram dentro do milagre e se empanturraram com as frutas.(9) Nota do Autor

O barreiro tem suas origens em depósitos de sal-gema. Com a erosão ou a vaporização, afloram elementos residuais nos locais onde é maior a porosidade das camadas superiores. Para os bichos, é o paraíso. Na área do barreiro, eles se confraternizam. Fora dele, "pernas pra que te quero", porque, aí, passa de novo a imperar a lei do mais forte. Veados e onças, inimigos mortais, lado a lado lambem a crosta salinosa. Mas estão atentos na hora da retirada: uns para fugir velozmente, outros para atacar os fugitivos.

Os barreiros são, assim, por sua fartura, depósitos que estimulam a geofagia, nos lugares onde o sal é difícil de ser encontrado.

A pantofagia ou as estranhas práticas alimentares na selva. Estudo na Região Amazônica  - Página 18 - Thumb Visualização
Formato
Texto